terça-feira, 28 de abril de 2009

A FILOSOFIA MODERNA E DESCARTES

A Filosofia Moderna e Descartes (*)
Eduardo O C Chaves
I. A Filosofia Pré-Moderna: Tendências Básicas
Para entender a filosofia moderna é necessário entender a filosofia que a precedeu -- a medieval e, até certo ponto, a filosofia antiga.
Embora haja consideráveis diferenças entre a filosofia antiga e a medieval, e mesmo entre as diversas correntes que constituíram uma e outra, é possível detectar uma certa tendência básica naquilo que poderíamos chamar de "filosofia pré-moderna", e que engloba elementos básicos de uma e de outra.
Para a filosofia pré-moderna, em primeiro lugar, a existência daquilo que na filosofia moderna se convencionou chamar de "mundo exterior" (a realidade externa à nossa mente) não é um problema. Para ela, é pacífico que existe um mundo fora de nossa mente, que é objeto de nosso conhecimento. Isso não precisava ser demonstrado, porque não havia se tornado um problema.
Para a filosofia pré-moderna, em segundo lugar, a realidade contém objetos e fatos. Objetos são coisas e fatos são estados de coisas. Tanto objetos como estados de coisas existem, na realidade: eles são descobertos, não constituídos.
Além disso, e em terceiro lugar, para a filosofia pré-moderna o mundo exterior é objetivamente ordenado. A realidade não é composta meramente de objetos e fatos isolados uns dos outros. Objetos e fatos se vinculam uns aos outros, através de várias relações, dentre as quais a principal é a de causalidade.
A relação de causalidade, para a filosofia pré-moderna, existe objetivamente na realidade: um evento realmente causa o outro, e isto é um fato que pode ser constatado. A realidade não é composta apenas por "fatos atômicos" -- evento a e evento b, por exemplo -- mas também por fatos complexos -- evento a causando evento b, por exemplo. A relação de causalidade, portanto, não é redutível à relação de contigüidade espaço-temporal, como diria Hume. Ela comporta também o nexo causal.
Isto significa que o mundo possui ordem, e que essa ordem existe independentemente do ser humano. Não é o ser humano que impõe ordem à realidade: esta já é ordenada, cumprindo ao ser humano apenas descobrir a ordem que já existe. É esse fato que possibilita o conhecimento.
A realidade, para a filosofia pré-moderna, portanto, contém fatos, atômicos e complexos. Esses fatos, como visto, são estados de coisas que existem, na realidade: são descobertos, não constituídos. Conquanto possam existir estados de coisas imaginários, fictivos, eles não devem ser descritos como "fatos imaginários". Fatos são coisas reais.
Para a filosofia pré-moderna, em quarto lugar, a verdade é uma relação de correspondência ou adequação entre os juizos de um sujeito e os fatos que são objeto desses juizos. Se o juizo emitido por um sujeito corresponde aos fatos, é verdadeiro; se não existe essa correspondência entre o juizo emitido e a realiduade, ele é falso. A realidade não é nem verdadeira nem falsa: ela simplesmente é. São nossos juizos acerca da realidade que podem ser verdadeiros ou falsos.
Para a filosofia pré-moderna, em quinto lugar, temos evidência da verdade ou não de nossos juizos através principalmente dos sentidos, pela perceção sensorial. E aquilo que nos é dado na percepção é nada mais nada menos do que a realidade, propriamente dita, os objetos e os fatos que compõem o mundo externo a nós. Embora seja notório que às vezes nos enganemos em nossa percepção, a essa constatação não se dá importância muito grande na filosofia pré-moderna.
Para a filosofia pré-moderna, em sexto lugar, é possível, partindo dos sentidos, descobrir fatos sobre a realidade que transcende os sentidos: a chamada realidade supra-sensível (ou o que comumente se chama de "sobrenatural"). Em geral, acreditava-se que era possível descobrir fatos acerca de Deus (por exemplo) pela chamada "via natural", ou seja, apenas refletindo sobre os fatos descobertos pelos sentidos.
Para a filosofia pré-moderna, em sétimo lugar, o conhecimento é o conjunto de juizos verdadeiros e evidenciados nos fatos que compõem a realidade (sensível ou supra-sensível). Para que haja conhecimento é necessário que haja um sujeito, que conhece, e um objeto, que é conhecido.
A filosofia pré-moderna não duvida de que tenhamos conhecimento da realidade: ela é plenamente confiante no conhecimento humano. Na verdade a confiança é tanta que ela pode falar, sem embaraço, em milagres. não tem maiores problemas com o conceito de milagre. Um milagre é um evento que, se ocorrer, viola ou suspende a ordem objetiva existente na realidade. Para a filosofia pré-moderna, milagres, se de fato existem, acontecem a nível da realidade, e não apenas de nosso conhecimento da realidade. Sua definição envolve referência ao plano ontológico e metafísico, não apenas epistemológico. Milagre não é apenas um nome para nossa ignorância da ordem (como diria Spinoza mais tarde): o milagre é uma violação ou suspensão da ordem objetiva existente na realidade. Por isso é que se acreditava que eles eram de sua importância: se de fato existem, eles provam alguma coisa. Falar em milagres, porém, não quer dizer acreditar neles. Se realmente acontecem ou não é outra questão. Nem todos os filósofos pré-modernos acreditavam que milagres aconteciam. Mas não tinham dificuldade com o conceito.
Para a filosofia pré-moderna, por fim, e em oitavo lugar, a pedagogia é o processo através do qual a criança é levada a conhecer e a descobrir fatos, é o processo de condução do sujeito ao objeto.
II. A Transição para a Filosofia Moderna: o Ceticismo
Embora tenha existido céticos na Antigüidade e na Idade Média, que duvidaram de que o ser humano tenha conhecimento da verdade, ou mesmo que a verdade exista, o ceticismo nunca foi considerado, na filosofia pré-moderna, como uma conditio sine qua non da filosofia.
Contudo, alguns eventos importantes ocorreram por volta do século XVI, que começaram a criar um novo clima: o clima do ceticismo.
Um dos eventos importantes foi o surgimento da ciência moderna, especialmente no tocante à chamada hipótese heliocêntrica.
A hipótese geocêntrica postula que a terra é o centro do universo e o sol e as demais estrelas, bem como os outros planetas, giram ao redor da terra, que fica estacionária. Esta hipótese, é bom que se diga, corresponde plenamente ao que nos indicam nossos sentidos. Nossos sentidos nos dão a impressão de que a terra fica parada, não se movimenta, e que os outros corpos celestes se movem ao redor dela. Se nos basearmos apenas nos sentidos, a hipótese geocêntrica parece bastante bem confirmada pela evidência. Mais bem confirmada do que a hipótese heliocêntrica.
No entando, aqui vêm os cientistas, e propõem uma hipótese totalmente contrária à evidência dos sentidos: a hipótese de que a terra não só gira em torno de um eixo como gira ao redor do sol, que é o centro do sistema planetário de que a terra faz parte. Para acreditar na hipótese heliocêntria, é forçoso duvidar do que nos dizem nossos sentidos, é preciso admitir que nossos sentidos nos enganam em relação a questões bem fundamentais.
Que nossos órgãos dos sentidos às vezes nos enganam é fato sobejamente conhecido, desde a antigüidade mais remota. Mas o que começa a surgir agora é a inquietante pergunta: será que nossos sentidos não nos enganam sempre? Se é verdade que a terra gira, em torno de um eixo e ao redor do sol, contrário ao que dizem os sentidos, será que esses sentidos não nos enganam em outros aspectos também? Será que realmente conhecemos a realidade?
Pior do que isso: às vezes sonhamos, ou temos alucinações, e imaginamos ver coisas que não estão lá. O que é que garante que não estamos sempre sonhando ou alucinando? O cético começa a duvidar, não só de que temos conhecimento adequado da realidade, mas mas da própria existência de uma realidade por detrás de suas idéias. Pode ser que estejamos sempre sonhando ou alucinando!
As tendências básicas da filosofia pré-moderna começam a ser colocadas em questão.
Um outro evento que ajudou a questionar as bases da filosofia pré-moderna foi a reforma protestante do século XVI.
Em um aspecto importante, a reforma protestante colocou em questão o problema do critério de verdade religiosa (Popkin, cf Kenny).
Em outro aspecto importante, e relacionado, a filosofia pré-moderna, como vimos, acreditava que, partindo dos sentidos, era possível chegar ao conhecimento de uma realidade que transcende os sentidos: a chamada realidade supra-sensível (ou o que comumente se chama de "sobrenatural"). Em geral, acreditava-se que era possível ter conhecimento de Deus (por exemplo) pela chamada "via natural", ou seja, através da razão humana refletindo sobre os dados fornecidos pelos sentidos.
É verdade que a filosofia pré-moderna, em geral, admitia que não podemos ter conhecimento pleno de Deus pela via natural. O conhecimento assim obtido era relativamente elementar, dizendo respeito apenas ao fato de que Deus existe e a algumas características que ele tem, ou não tem. Para se chegar ao conhecimento pleno de Deus, a filosofia pré-moderna geralmente admitia a necessidade de uma revelação divina, que suplementaria o conhecimento obtido através da razão assistida pelos sentidos. Esse conhecimento complementar não seria alcançado pela razão, mas pela fé -- embora a filosofia pré-moderna geralmente tenha mantido que a fé, embora supra-racional, não é contra-racional, ou anti-racional, ou irracional.
A reforma protestante do século XVI não só negou como violentamente criticou essa tendência empírio-racionalista da filosofia pré-moderna. Lutero chamou a razão de prostituta, a afirmou que o conhecimento de Deus só vem pela fé, não pela razão, e que a fé é algo que se opõe à razão. Na verdade, em alguns pronunciamentos dos reformadores, chega-se a defender o ponto de vista de que a fé é tão mais intensa quanto mais irracional for o seu objeto. O importante é a fé, não o conhecimento natural. E para demonstrar que a fé é mais importante do que a razão, alguns dos reformadores procuraram mostrar quão falha é a razão humana -- contaminada que foi pelo pecado -- e os sentidos humanos -- freqüentemente enganados e enganosos.
O resultado desse esforço foi ceticismo em relação à capacidade humana não só de conhecer o que jaz além dos sentidos, mas também em relação à capacidade humana de conhecer, simplesmente. A esse ceticismo, correspondeu sempre um fideísmo -- a tese de que o importante é crer.
Aqui talvez seja o momento de esclarecere que existem vários graus e diversas formas de ceticismo.
Existe uma versão relativamente branda de ceticismo, que não duvidando da confiabilidade dos nossos sentidos, e, portanto, não contestando a possibilidade de conhecimento empírico, nega, entretanto, que possamos ir além dos sentidos, questionando, portanto, a existência do chamado conhecimento supra-sensorial. Essa forma de ceticismo tem sido chamada de ceticismo em relação à razão, mas a denominação não é muito adequada. Talvez seja mais apropriado denominá-lo de ceticismo em relação ao supra-sensorial.
Além dessa, existem outras variantes de ceticismo que admitem a possibilidade de conhecimento empírico e mesmo supra-sensorial, mas negam a a existência ou mesmo a possibilidade da verdade, redefinindo o conceito de conhecimento de modo a eliminar referência ao conceito de verdade. Essa forma de ceticismo poderia ser denominada de ceticismo em relação à verdade.
Existem, por fim, variantes do ceticismo em relação aos sentidos. As duas principais são:
-- o ceticismo que coloca em dúvida que os nossos sentidos nos forneçam conhecimento adequado da realidade empírica, mas que não questiona a existência dessa realidade;
-- o ceticismo que coloca em dúvida que os nossos sentidos nos forneçam conhecimento de uma realidade extra-mental, e que questiona, portanto, a própria existência de um mundo externo a nós.
Uma outra forma de classificar o ceticismo seria dividi-lo em versões radicais e moderadas.
A versão radical do ceticismo, também chamada de acadêmica (1), afirma que não temos nenhum conhecimento, exceto do fato de que não temos conhecimento, que não existe nenhuma verdade, a não ser aquela que afirma que a verdade não existe. O dito socrático, "Só sei que nada sei", poderia ser considerado o slogan dessa versão .
A versão moderada do ceticismo, também chamada de pirrônica (2), nega que tenhamos evidência adequada até mesmo para determinar se sabemos que nada sabemos. "Não sei nem mesmo se nada sei", seria o seu slogan. A atitude adequada para o cético seria suspender o juizo, até mesmo em relação ao ceticismo, ser cético até do próprio ceticismo.
(Como se pode ver, a versão chamada de moderada é, em certo sentido, mais radical do que a versão dita radical).
III. A Filosofia Moderna e Descartes: Tendências Básicas
Nesta seção, analisarei as principais tendências do chamado pai da filosofia moderna: Descartes. No essencial, o ponto de vista de Descartes, considerado um racionalista, é adotado também pelo empirismo (representado por Hume) e pelo criticismo transcendental (representado por Kant, que pretendeu suplantar tanto o racionalismo como o empirismo).
Apesar de a filosofia de René Descartes (1596-1650) se basear no que ele chama de "dúvida radical", Descartes não é considerado um cético: é, freqüentemente, conhecido como um racionalista. Vou procurar mostrar, porém, que sua filosofia, apesar de ser apresentada por ele como a resposta ao ceticismo, é, no essencial, fundamentalmente cética.
Descartes começa por refletir sobre as perguntas inquietantes do cético: Será que nossos sentidos não nos enganam sempre? O que é que garante que não estamos sempre alucinando ou sonhando?
1. Relação com a Filosofia Tradicional
Apesar de ter estudado em colégio jesuíta (La Flèche, de 1604 a 1612), Descartes veio a se tornar altamente cético em relação à filosofia clássica que havia aprendido no colégio jesuíta.
Em relação à filosofia ele afirma:
"A filosofia nos ensina falar com aparência de verdade sobre todas as coisas, e nos leva a ser admirado pelos menos eruditos. . . . [Contudo, apesar de] a filosofia ter sido cultivada por muitos séculos pelas melhores inteligências que jamais viveram, . . . não há, nela, uma só questão que não seja objeto de disputa, e, em conseqüência, que não seja dúbia" (DM, I, 84,86; cf. 90).
É o fato de que ele consegue duvidar da veracidade de tudo o que passa por filosofia que faz com que ele se torne cético em relação a ela, e que tenha certo desprezo pela filosofia tradicional. Se a filosofia vai ter lugar no universo de Descartes, ela terá que ser drasticamente revista.
2. Paixão pela Matemática
Em seus primeiros anos em La Fleche, Descartes se dedicou também à matemática (Copleston, IV, 74), que sobremaneira o impressionou, "por causa da certeza de suas demonstrações e da evidência de seu raciocínio" (Ibid, p.85; cp. Copleston, IV, 75).
Ele manifesta surpresa, porém, que a matemática não tenha sido utilizada, a não ser nas "artes mecânicas", e que "nenhum edifício mais nobre tenha sido construído sobre suas bases firmes e sólidas" (Ibid).
Ele tomou a si a tarefa de construir esse edifício mais nobre. Para ele, a filosofia somente seria capaz de escapar dos ataques do cético se tivesse, como base de sustentação, um ponto de apoio arquimédico que fosse certo e indubitável. É a busca desse ponto de apoio que caracteriza sua filosofia.
3. O Método Cartesiano
O método de Descartes foi proceder de forma matemática, primeiro estabelecendo os princípios fundamentais, para a seguir derivar deles suas conseqüências, da mesma forma que teoremas são derivados de axiomas (Aune, 7-8, NKS, SCP, 27). Dessa forma, utilizando o método rigoroso do raciocínio matemático, ele esperava constuir, sobre bases firmes e sólidas, um edifício filosófico que ficasse imune à controvérsia fútil que havia caracterizado a filosofia que aprendera na escola (Aune, 7-8).
A primeira etapa na construção desse edifício é a descoberta de princípios básicos ou axiomas, que funcionem como base e alicerce do edifício. A estratégia que ele utiliza para chegar a esses princípios foi a da dúvida sistemática: nada que pode ser duvidado é aceitável como fundamento de seu sistema.
Assim sendo, na busca desse ponto de apoio, Descartes resolve duvidar, sistematicamente, de tudo. Ele se propõe submeter todas as suas crenças a uma revisão sistemática para tentar encontrar aquela(s) de que ele não consegue, realmente, duvidar. Essas crenças induvbitáveis lhe forneceriam a base para seu edifício, visto que seriam consideradas como absolutamente certas (Aune, 7-8).
4. O Projeto Cartesiano
Na verdade, o projeto de Descartes é maior do que simplesmente reconstruir a filosofia. Ele quer fornecer um fundamento racional para as crenças das pessoas comuns bem como para a ciência que começava naquela época, da qual foi um defensor e para a qual fez contribuições importantes.
Um indivíduo (seja ele uma pessoa comum ou um cientista) desenvolve muitas de suas crenças antes de chegar à idade da razão. Mesmo depois da idade da razão, freqüentemente adquire crenças através do exercício não-crítico de sua atividade sensorial, de testemunhos não confiáveis de outros, de apelo a autoridades indignas de crédito. Quem pretende ser racional em suas convicções, tem, mais cedo ou mais tarde, de limpar a sua mente de todas as suas crenças, duvidando de tudo aquilo que é incerto e passível de dúvida, e reconstruindo suas crenças sobre um novo fundamento, certo e indubitável (Kenny, 14).
Descartes resume seu projeto:
Muitos anos atrás percebi quantas opiniões falsas vinha aceitando como verdadeiras desde minha infância, e quão dúbio tudo o que eu nelas baseava deveria ser. Decidi, então, que, se realmente quisesse estabelecer algo de sólido e duradouro nas ciências, teria que, deliberadamente, me livrar de todas as opiniões que até então aceitara e começar a construir tudo de novo, a partir do zero. . . . Não seria necessário, para os meus propósitos, mostrar que todas minhas convicções eram falsas -- tarefa que poderia nunca vir a concluir. Como a razão já me havia persuadido de que deveria deixar de acreditar tanto nas coisas que parecem ser manifestamente falsas como naquelas que não são inteiramente certas e indubitáveis, o menor fundamento para uma dúvida seria suficiente para me fazer rejeitar qualquer de minhas opiniões. Por isso, não precisei examinar cada uma de minhas convicções, individualmente, o que seria um trabalho interminável, mas apenas os fundamentos em que se baseavam, pois a destruição da fundação faz com que todo o edifício venha a ruir" (Medit I, 144-45, cr Aune, 8-9)
O objetivo de Descartes é, portanto, examinar o fundamento que existe para as várias categorias de crença que possuía. Se o fundamento de toda uma categoria de crenças pode ser questionado, as crenças baseadas nesse fundamento não podem ser tidas como inteiramente certas. Pode até ser que as crenças sejam verdadeiras, mas é também possível que sejam falsas, e, se é possível que sejam falsas, elas não podem ser consideradas indubitáveis. Talvez subseqüentemente, quando encontrar fundamentos certos e indubitáveis para suas crenças, Descartes possa voltar a aceitar algumas das crenças abandonadas e mostrar que são verdadeiras. Por enquanto, porém, ele as colocará de lado como suspeitas e indignas de credibilidade (Aune, 10).
5. Esclarecimento de Alguns Termos
É oportuno esclarecer alguns termos básicos do discurso cartesiano. Para Descartes, "certeza" e "indubitabilidade" são termos, se não sinônimos, pelo menos correlacionados. Se um enunciado é certo, ele também é indubitável. Um enunciado é certo, para Descartes, quando ele é necessariamente verdadeiro. Um enunciado é indubitável, para Descartes, quando não é possível que ele seja falso, quando não se pode encontrar nenhuma razão para questioná-lo (por que é absolutamente certo).
Note-se que, para Descartes, a "necessidade" que ele atribui a um enunciado certo não é a necessidade inerente às tautologias (àquilo que subseqüentemente se veio chamar de "enunciados analíticos"), visto que ele considera possível, pelo menos no primeiro estágio de suas dúvidas, como veremos, que enunciados matemáticos sejam falsos, e, portanto, dubitáveis.
Quando Descartes fala em dúvida, ele tem em mente uma dúvida racional, ou intelectual, não uma dúvida existencial, ou prática. Duvidar racionalmente de uma crença é encontrar razões para duvidar de sua veracidade, é identificar razões para pensar que a crença em questão pode, possivelmente, ser falsa (Aune, 10). Eis o que diz Descartes:
"Há muito tempo que venho observando que, no que diz respeito à vida prática, é algumas vezes necessário seguir opiniões, que se sabe ser muito incertas, como se elas fossem indubitáveis. . . . Mas porque eu desejava me dedicar exclusivamente à busca da verdade, pensei ser necessário fazer exatamente o oposto e rejeitar, como se fossem absolutamente falso, tudo aquilo acerca do que pudesse ter a menor dúvida, para ver se, ao final, restaria alguma coisa que fosse indubitável" (Discurso, VI, HR, pp 100-101, apud Williams, 34-35).
6. Primeiro Argumento Cético
Esclarecidas essas questões preliminares, vejamos como Descartes procede. O que mais nos interessa aqui é como Descartes pode duvidar das crenças que adquiriu através de sua percepção. Ele esclarece:
"Tudo o que, até o presente, aceitei como mais verdadeiro e certo, fiquei sabendo pelos sentidos ou através deles. Mas posso provar que algumas vezes os sentidos me enganam, e que é sábio não confiar inteiramente em algo que já alguma vez nos enganou" (Medit I, 145). "Visto que os sentidos nos enganam algumas vezes, decidi supor que nada fosse como eles nos fazem imaginar" (Discurso, VI, HR, 100-101, apud Williams, 35) 3.
Com esse primeiro argumento, Descartes vem a duvidar de seus sentidos e a considerar dúbio e suspeito tudo o que ficou sabendo através deles. Os sentidos, portanto, não são o fundamento absolutamente certo e indubitável que estava procurando. Parece não haver critério que nos permita distinguir uma percepção errônea de uma correta.
Descartes considera a objeção de que, embora algumas vezes nos enganemos acerca de coisas que percebemos há muito tempo, ou que percebemos de muita distância (ou seja, acerca de coisas distantes, no tempo ou no espaço), não poderíamos nos enganar acerca de impressões sensoriais, que estamos tendo no momento, de coisas próximas de nós. Parece impossível duvidar de que, ao olhar para minha mesa, ali estejam minhas mãos escrevendo em um papel -- somente uma pessoa insana teria dúvidas disso!
7. Segundo Argumento Cético
A resposta de Descartes a essa objeção introduz um segundo argumento: o do sonho. Sua resposta é a seguinte:
"Devo lembrar que sou um homem, e, como tal, tenho o hábito de dormir. Durante meu sono, freqüentemente sonho, e no sonho tenho impressões semelhantes às que pessoas insanas têm quanto estão acordadas, ou até mesmo mais prováveis. Quantas vezes já não me ocorreu, em sonhos, que eu estivesse em determinado lugar, vestido de tal maneira, sentado próximo à lareira, quando, na realidade, estava na cama, dormindo. No momento presente, realmente me parece que é com olhos despertos que vejo este papel, que a cabeça que movimento não está adormecida, que é deliberada e intencionalmente que estico meu braço e vejo minha mão. O que acontece durante o sono parece não ser tão claro e distinto como as impressões que estou tendo agora. Mas ao pensar sobre tudo isso eu me relembro de que, em muitas outras ocasiões, tive ilusões semelhantes, enquanto dormia. Examinando cuidadosamente essas lembranças, concluo que, manifestamente, não existem indicações certas pelas quais possa claramente distinguir as impressões que tenho, quando acordado, das que pareço ter, enquanto durmo, e fico confuso. E minha confusão é tal que sou quase capaz de me persuadir que no momento estou sonhando" (Medit I, 145-146, Aune 9-10).
Na ausência de indicadores claros que lhe permitam distinguir as impressões que tem quando acordado das que lhe acontecem quando dorme, Descartes considera possível que todas as suas percepções sejam totalmente ilusórias e que as coisas ao seu redor, incluindo o seu próprio corpo, podem, não só ser totalmente diferentes do que lhe parecem ser, mas realmente não existir, na realidade. Parece não haver critério que nos permita distinguir percepções verídicas de inverídicas (4).
O primeiro argumento -- o de que nossos sentidos às vezes nos enganam, produzindo percepções equivocadas, e que, portanto, as coisas podem não ser como parecem -- leva Descartes a concluir que o mundo exterior pode não ser como parece.
O segundo argumento -- o de que nos sonhos tenho percepções inverídicas, que não correspondem a nenhuma realidade externa -- leva Descartes a concluir que o mundo exterior pode nem mesmo existir.
A diferença básica entre o primeiro e o segundo argumento é a seguinte. Quando somos enganados pelos nossos sentidos, são os próprios sentidos que, retrospectivamente, nos mostram que estávamos enganados. O erro, no caso de engano dos sentidos, não se generaliza ao presente caso: ele se situa sempre num caso anterior, já passado. Somente se constata um engano dos sentidos em contraposição a casos de percepção não-enganosa (Kenny, 25) (5). No caso do sonho, porém, a dúvida se estende ao caso presente: pode ser que esteja sonhando agora. O fato de que estou totalmente convencido de que não estou sonhando agora em nada contribui para a certeza genuína de que não esteja sonhando. O argumento do sonho é, portanto, mais radical.
Os argumentos, até agora, parecem nos mostrar que os sentidos não são confiáveis. Como a ciência depende de observações sensoriais, a ciência, como um todo estaria sob suspeita, em virtude desses argumentos -- exceto, talvez, a matemática. Estaria a matemática acima de qualquer suspeita, e residiriam nela os enunciados certos e indubitáveis que Descartes procura?
8. Terceiro Argumento Cético
Deixando de lado, por um momento, as convicções baseadas nos sentidos, examinemos um terceiro argumento de Descartes, apresentado quando ele passa a examinar algumas idéias matemáticas simples. Os enunciados "dois mais três perfazem cinco", ou "um quadrado tem quadro lados", não parecem ser enunciados cuja veracidade dependam dos sentidos. Acordado ou sonhando, parece impossível que alguém seja enganado acerca de coisas tão óbvias. Elas parecem ser certas e, portanto, indubitáveis.
"Acordado ou dormindo, dois e três perfazem cinco, e um quadrado tem apenas quatro lados; e parece impossível que verdades assim tão óbvias fiquem sob suspeito de falsidade" ( Kenny,16)
Mas nem nesses exemplos matemáticos Descartes acredita encontrar o fundamento que está procurando. Por um lado, as pessoas muitas vezes erram, considerando como auto-evidente algo que não o é. Por outro lado, Deus, ou um ser extremamente poderoso, inteligente e maligno, poderia enganá-lo em tudo o que pensa, e poderia ter disposto as coisas de tal forma que ele fosse enganado até em relação a esses enunciados cuja verdade parece tão evidente.
"Uma razão é que as pessoas fazem erros em raciocínios desse tipo e consideram como certo e auto-evidente o que vemos ser falso. Outra razão, mais importante, é que Deus, que nos criou, e que pode fazer tudo o que deseja, pode ter desejado nos criar -- não sabemos ainda -- de tal modo que sempre nos enganemos mesmo em relação àquelas coisas que pensamos melhor conhecer" (Kenny, 17).
Para acrescentar rigor ao seu método, portanto, Descartes, que tem algum escrúpulo em imaginar que Deus pudesse ser malévolo (Kenny, 35), supõe que exista esse ser extremamente poderoso e inteligente, mas maligno, que ele chama de um "gênio maligno", que faz com que nos enganemos "mesmo em relação àquelas coisas que pensamos melhor conhecer" (6). Em decorrência dessa suposição, Descartes passa a duvidar da veracidade até dos enunciados matemáticos mais simples e acrescenta rigor à sua dúvida da realidade externa, inclusive de seu próprio corpo (7) (Medit II, 148-149, 101, Aune 10-11, Kenny, 18).
9. O Certo e Indubitável: O "Cogito"
Mas se nem os sentidos nem a matemática, nem as ciências empíricas nem as formais, estão acima de dúvida, "o que é, então, que pode ser considerado verdadeiro?" (8)
A primeira resposta que se sugere é que a única coisa certa e indubitável é que nada é certo. Mas mesmo essa afirmação não é e certa e indubitável: é bem possível que haja várias outras coisas que sejam certas e indubitáveis, e, se houver, a afirmação não seria verdadeira. Até mesmo dessa afirmação, portanto, Descartes conclui que deve duvidar.
Entretanto, Descartes percebe que, se ele duvida de tudo, há algo que não lhe é possível duvidar, a saber, do fato de que está duvidando. Se ele duvida disso, pelo mesmo ato está duvidando. Desse fato Descartes conclui que ele não pode duvidar se não existir, e que, portanto, sua existência, como um duvidador, é absolutamente certa e indubitável. Nem mesmo o gênio maligno pode enganá-lo acerca disso, porque, para ser enganado, ele, Descartes, tem que existir: ele não pode ser enganado se não existir.
Como duvidar, ser enganado, etc., são formas de atividade mental, que podem ser chamadas de pensamento, Descartes conclui que, se ele está pensando, num dado momento, então sua existência é, naquele momento, absolutamente certa e indubitável. "Cogito, ergo sum" (9). Ele não pode estar errado, portanto, acerca do fato de que o enunciado "Penso, logo existo" é necessariamente verdadeiro todas as vezes que ele o concebe ou declara (10).
Com esse enunciado Descartes acredita ter descoberto sua primeira verdade certa e indubitável. Ele existe todas as vezes que pensa, que duvida, que é enganado.
"Observando que essa verdade, 'Eu penso, logo existo', é tão sólida e firme que nem as mais extravagantes suposições dos céticos podem derrubá-la, julguei que não precisava ter escrúpulos de aceitá-la como o primeiro princípio da filosofia, que eu buscava" (HR, I, 101; Kenny, 40)
Mas esse conhecimento é extremamente limitado em escopo. Ele tem certeza de que existe quando pensa, mas não sabe, por exemplo, qual a sua natureza -- ele sabe que ele é, não o que ele é -- nem se continua a existir quando para de pensar. É preciso, portanto, continuar a busca.
10. A Natureza do Eu
Descartes passa, portanto, a investigar a natureza daquilo que, ao pensar, ele tem certeza de que existe.
Como se viu, Descartes encontrou razões para duvidar de tudo o que depende dos sentidos. O ele ter certeza de que existe, portanto, não implica que ele tenha certeza de que tem um corpo, que ele tenha impressões sensoriais, sensações. A única coisa de que Descartes pode ter certeza é de que existe enquanto ser pensante, enquanto res cogitans.
"Aqui descubro o que me pertence. Eu sou, eu existo -- isto é certo. Mas por quanto tempo? Apenas enquanto eu continuo a pensar, porque é possível que, ao deixar de pensar, deixe de existir. Não estou admitindo nada que não seja necessariamente verdadeiro. Estou, portanto, me considerando apenas como um ser pensante, isto é, uma mente -- alma, entendimento, razão, termos cujo sentido até aqui é desconhecido. Eu sou, portanto, uma coisa real, uma coisa que realmente existe. Mas que tipo de coisa? Eu já disse: uma coisa que pensa" (Medit, apud Aune, 12) (11)
Se alguém lhe perguntar se seus pensamentos têm alguma causa externa, Descartes responde que seus pensamentos podem ter sido causados por algo externo a ele, como podem ter sido produzidos em sua mente por Deus, pelo gênio maligno, ou então por ele mesmo. Tudo isso é possível, e, portanto, nenhuma dessas causas possíveis pode ser considerada certa.
11. As Marcas da Verdade Certa e Indubitável
O caminho que Descartes decide seguir, a partir desse ponto, é, tendo encontrado pelo menos uma coisa absolutamente certa, examiná-la, para ver se consegue descobrir nela as marcas identificadoras de algo indubitável, para ver se consegue definir o que é que a torna indubitável.
Sua conclusão é que nada existe no enunciado "penso, logo existo" além de uma "apreensão clara e distinta" do que é afirmado. Apreensão clara e distinta deve, portanto, ser marca da verdade certa e indubitável (Aune, 12-13) (12).
"Estou certo de que sou uma coisa que pensa: mas não saberei eu, igualmente, o que é necessário para que eu tenha certeza de uma verdade? Certamente, nesse primeiro conhecimento, nada há que me assegure sua verdade, exceto a percepção clara e distinta daquilo que afirmo, que não seria suficiente para me garantir que aquilo que afirmo é verdadeiro se fosse possível que algo que concebo clara e distintamente viesse a ser falso. Dessa forma, parece-me que posso já estabelecer, como regra geral, que todas as coisas que percebo muito claramente e muito distintamente são verdadeiras" (Medit III, HR, 158 - quoted from source).
12. Intuição e Dedução
Mas não são apenas os enunciados claros e distintos que podem ser consideradas certos e indubitáveis. Qualquer enunciado que possa ser validamente deduzido deles também terá as mesmas caraterísticas .
Em As Regras para a Direção da Mente, escrito por volta de 1630, Descartes afirma que nosso conhecimento depende de duas operações da mente: intuição e dedução. Intuição é o nome que ele aqui dá à "apreensão clara e distinta":
"Intuição é a concepção que uma mente não anuviada e atenta nos dá tão pronta e claramente que deixamos de ter qualquer dúvida acerca daquilo que compreendemos".
Seu conhecimento de que, se ele pensa, ele existe enquanto coisa pensante, é intuitivo, nesse sentido do termo: Ele afirma:
"Quando eu observo que nós somos seres pensantes, esta é uma espécie de noção primária, que não é conclusão de nenhum silogismo. Quando alguém diz: 'Estou pensando, logo eu existo', ele não está usando um silogismo para deduzir a sua existência de seu pensamento, mas está apenas reconhecendo este fato como algo evidente, em uma simples intuição mental" (HR, II, 38; Kenny,41; cf.51ff) (13).
Dedução, por outro lado, é inferência necessária de coisas que são conhecidas com certeza. Para Descartes, embora a dedução difira da intuição, é baseada nesta, pois cada passo em uma cadeia dedutiva corresponde a uma intuição: é preciso apreender clara e distintamente cada passo na dedução. (Aune, 16, Kenny, 55)
Tendo estabelecido um enunciado absolutamente certo e indubitável, Descarte prossegue em sua investigação para ver o que pode ser dele deduzido. Tendo colocado no lugar o alicerce, ele pretende agora construir o prédio.
13. O Terceiro Argumento Recolocado
Voltemos à questão dos enunciados matemáticos. Depois de ter estabelecido um enunciado certo e indubitável, Descartes volta a considerar a afirmação de que 2 mais 3 perfazem 5. Segundo ele, quando ele contempla essa afirmação, levando em conta apenas o enunciado, ele tem uma apreensão clara e distinta de sua verdade. Ele só considera a afirmação dúbia por causa da hipótese do gênio maligno, que pode lhe enganar mesmo acerca de coisas que lhe parecem evidentes. Ele reconhece, agora, que este fundamento para sua dúvida é frágil, porque não nenhuma razão para acreditar que esse gênio maligno exista. Mas mesmo um fundamento frágil precisa ser levado em conta.
Para eliminar a hipótese da existência do gênio maligno, Descartes se sente obrigado a provar que um ser todo-poderoso existe, mas não é enganador. Essa prova é equivalente a uma prova da existência de Deus, e vai permitir que ele passe a aceitar como verdadeiros enunciados que ele parece apreender como claros e distintos mas que, por causa da hipótese do gênio maligno, havia rejeitado.
14. A Existência de Deus
Vejamos, agora, que argumentos Descartes usa para provar (14) a existência de Deus. É possível detectar várias provas em seus escritos.
No Discurso Descartes desenvolve uma prova baseado na idéia de perfeição.
15. Argumento Circular?
Antes de prosseguir é oportuno esclarecer uma questão controvertida: é discutível se Descartes considerou clareza e distinção como marcas apenas de certeza e indubitabilidade ou também de verdade.
Caso seja apenas a primeira hipótese, estaria o "cogito" incluído entre as verdades que são certas e indubitáveis mas não necessariamente verdadeiras, como as matemáticas? A mim me parece que o certo e o indubitável é igual ao verdadeiro para Descartes.
O que ele distingue (mal) é entre verdades que são certas e indubitáveis, mesmo com a hipótese de um gênio maligno (como o "cogito", e, talvez algumas outras verdades) e enunciados que parecem certos e indubitáveis, mas, com a hipótese do gênio maligno (i.e., sem a prova da existência de Deus) não podem ser tidos como verdadeiros.
Em vários locais Descartes afirma, explicitamente, que mesmo a hipótese de um Deus enganador ou de um gênio maligno não pode fazê-lo duvidar do "cogito", isto é, de que ele pensa, e, em pensando, existe. (EVIDÊNCIA)
Mas é apenas depois de provar que Deus existe, e, que, sendo benevolente, além de todo-poderoso, não permitiria que um gênio maligno nos enganasse tão desavergonhadamente, que Descartes se considera justificado em considerar os enunciados matemáticos (e outros, como veremos) como verdades certas e indubitáveis. Na verdade, após ter provado que Deus existe, Descartes abre as portas e reintroduz tudo de que antes havia duvidado.
Parece claro, portanto, que, para Descartes, há uma diferença qualitativa entre o "cogito" (de que ele acha impossível duvidar) e as outras verdades que parecem ser claras e distintas (mas que ele acha possível duvidar). Essa interpretação tem ainda o mérito de não imputar a Descartes um argumento circular: o de que ele usa o "cogito" para definir que clareza e distintinção são critérios de verdade, em seguida usa esses critérios para provar a existência de Deus, e, por fim, usa a existência de Deus para provar que os enunciados que apreendo de forma clara e distinta são verdadeiros (Vr Doney, 213 ff).
No Discurso, por exemplo, ele diz (a primeira passagem já foi citada):
"Observando que essa verdade, 'Eu penso, logo existo', é tão sólida e firme que nem as mais extravagantes suposições dos céticos podem derrubá-la, julguei que não precisava ter escrúpulos de aceitá-la como o primeiro princípio da filosofia, que eu buscava" (HR, I, 101; Kenny, 40)
"Depois disso eu considerei o que, numa proposição, é necessário para que seja verdadeira e certa, pois, desde que acabara de descobrir uma que sabia ser tal, pensei que devesse saber no que consistia essa certeza. E tendo notado que não havia absolutamente nada no enunciado 'Eu penso, logo existo' que me garante ter com ele feito uma afirmação verdadeira, exceto o fato de que vejo muito claramente que, para pensar essa afirmação, ela tem que necessariamente ser verdadeira, concluí que eu poderia pressupor, como regra geral, que as coisas que concebo muito clara e distintamente são todas verdadeiras -- lembrando-me, entretanto, de que há alguma dificuldade para determinar quais são as coisas que distintamente concebemos" (HR, I,102).
Especialmente a última frase é sugestiva: Descartes afirma que tudo o que clara e distintamente percebe é verdadeiro, mas reconhece que existem dificuldades para determinar se o que estamos apreendendo está sendo apreendido de forma clara e distinta. Considero que essa última frase corrobora, de maneira especial, minha interpretação.
Em passagem das Meditações, já citada, e muito parecida com as passagens do Discurso que acabo de citar (a "regra geral", por exemplo, é mencionada em ambas), Descartes afirma:
"Estou certo de que sou uma coisa que pensa: mas não saberei eu, igualmente, o que é necessário para que eu tenha certeza de uma verdade? Certamente, nesse primeiro conhecimento, nada há que me assegure sua verdade, exceto a percepção clara e distinta daquilo que afirmo, que não seria suficiente para me garantir que aquilo que afirmo é verdadeiro se fosse possível que algo que concebo clara e distintamente viesse a ser falso. Dessa forma, parece-me que posso já estabelecer, como regra geral, que todas as coisas que percebo muito claramente e muito distintamente são verdadeiras" (Medit III, HR, 158 - quoted from source).
Contudo, é forçoso reconhecer que em várias outras passagens Descartes textualmente afirma que sem o conhecimento da existência de Deus não poderia saber nada. Eis algumas delas:
"Para remover inteiramente [a possibilidade de dúvida baseada no Deus enganador] devo investigar se há um Deus assim que a ocasião se apresentar, e, se concluir que Deus existe, devo investigar se Ele pode ser um enganador. Sem conhecimento dessas duas verdades, não vejo como jamais possa ter certeza de qualquer coisa" (Medit III, HR 159, from source).
"Depois que reconheci que há um Deus -- porque ao mesmo tempo também reconheci que todas as coisas dependem dEle, e que ele não é um enganador, e disso inferi que o que percebo clara e distintamente não pode deixar de ser verdade -- nenhuma razão contrária pode ser apresentada que me faça duvidar da verdade de algo que clara e distintamente percebi, desde que me lembre tê-lo clara e distintamente percebido (mesmo que no momento não tenha em mente as razões que levaram a julgá-lo verdadeiro), e, assim, posso dizer que tenho conhecimento verdadeiro e certo dessa coisa" (Medit III, HR 184).
"E assim eu claramente reconheço que a certeza e a verdade de todo conhecimento depende apenas do conhecimento do verdadeiro Deus, à medida que, antes de conhecê-lO, não poderia ter um conhecimento perfeito de nenhuma outra coisa" (Medit III, HR, 185) (NB: conhecimento perfeito).
16. A Metafísica Cartesiana: O Dualismo Mente-Corpo
Antes de prosseguir, é interessante registrar como Descartes consegue duvidar de que realmente exista um mundo exterior. Aparentemente, esse mundo nos é dado pela percepção: através de nossos órgãos dos sentidos, percebemos o mundo exterior. Pelo menos esse é o ponto de vista tradicional, conhecido como realismo (às vezes qualificado de "ingênuo").
Descartes não concorda com esse ponto de vista tradicional. Para ele, a nossa mente (ou consciência) e a realidade externa são dois reinos separados e autônomos, nenhum sendo dependente do outro. Embora ele não negue que a mente seja capaz de compreender objetos externos a ela, aquilo de que estamos imediatamente conscientes, para Descartes, não são os objetos externos, mas apenas representações mentais, ou idéias, produzidas pela nossa própria mente. A mente, portanto, tem contato com o mundo externo apenas através de idéias, que são representações mentais dos objetos externos.
O objeto de nossa percepção, portanto, não são os objetos externos, como acreditam os realistas ingênuos, mas representações mentais desses objetos. Aquilo que nos é direta ou imediatamente dado na percepção são idéias que existem apenas na mente (embora possam representar objetos externos). Vou chamar essa teoria da perceção de "representacionalismo" (15).
Essa teoria da percepção é baseada na metafísica cartesiana, i.e., na teoria da mente e da realidade externa que Descartes advoga. Para ele, a mente é uma substância ou entidade, caracterizada fundamentalmente pelo fato de ter consciência, de ser uma coisa que pensa, que percebe, que sente (res cogitans). A realidade externa é material, e a matéria tem como característica básica o fato de ser extensa (res extensa). Consciência e extensão são coisas claramente distintas, podendo cada uma delas ser clara e distintamente concebida sem referência à outra. Os vários estados de consciência (pensamento, sensação, sentimento) são totalmente distintos dos vários modos de determinação da matéria. Por isso, nenhum estado de consciência pode ser essentialmente dependente de qualquer coisa física. A mente, e tudo que ela possui, pode existir sem qualquer substância material (16).
Essa metafísica radicalmente dualista tem sérias implicações epistemológicas. Afirmar que a consciência é um atributo intrínsico de uma substância é negar que a consciência seja relacional, isto é, é negar que a consciência se constitua através da relação com algo que é diferente dela própria, a saber, a realidade externa. Por causa disso, é inteiramente possível, para Descartes, que tenhamos exatamente as mesmas experiências que temos e que não exista nada, fora de nossa própria mente, que seja responsável pelos nossos estados de consciência. Os estados de consciência da mente dependem apenas da própria mente, de nada mais (17).
É por isso que Descartes consegue duvidar da existência de um mundo exterior sem duvidar da existência de seus estados de consciência -- porque consciência, para ele, não é consciência de algo diferente dela mesma.
Note-se que a consciência, para Descartes, tem objetos, é consciência de alguma coisa, mas os objetos da consciência são mentais, e, no fundo, não se distinguem dela mesma. Uma idéia é, para Descartes, um objeto da consciência mas também, ao mesmo tempo, um estado da consciência (18).
Se essa teoria parece difícil de entender, usemos, para entendê-la, a analogia proposta por David Kelly. Imaginemos que a mente seja como um projetor de cinema. O faxo de luz que ele projeta é um atributo essencial do projetor: sem ele não haveria projetor (o faixo de luz é análogo à consciência). Os objetos na tela são os objetos da consciência. Contudo, o projetor não é uma lanterna que ilumina objetos independentes da lanterna. O projetor contém um faixo de luz (a consciência) que cria e constitui as imagens que ele ilumina: os objetos na tela existem apenas "na" luz -- se ela se apagar eles deixam de existir (19).
17. O Ceticismo de Descartes
Do que foi dito fica claro que Descartes é um cético -- mas por razões outras do que as que ele invocou para a sua dúvida. Ele é cético porque sua epistemologia, em especial sua teoria da percepção, o leva a negar que tenhamos conhecimento do mundo externo -- a menos que se invoquem hipóteses auxiliares de fundamentação muito duvidosa, como a da existência de Deus. Para Descartes, a única forma de garantir que a nossas idéias corresponde um mundo lá fora é o suposto fato de que Deus existe e que, sendo perfeitamente bom, não permitiria que nos enganássemos sobre algo tão fundamental como a existência do mundo exterior. Elimine-se a hipótese de Deus e Descartes se torna o cético mais radical em relação ao conhecimento empírico.
Notas:
. Assim chamada porque se desenvolveu na Academia Platônica do século III AC. Cf. Popkin, ix. Afirma Popkin: "O alvo do filósofo cético Acadêmico era mostrar, através de uma série de argumentos e quebra-cabeças dialéticos, que o filósofo Dogmático (i.e., aquele que afirmava que ele tinha conhecimento de alguma verdade acerca da real natureza das coisas) não poderia saber, com certeza absoluta, o que dizia saber. Os Acadêmicos formulavam uma série de dificuldades para mostrar que as informações que obtemos através dos sentidos não são confiáveis, que não podemos ter certeza de que nossos raciocínios são confiáveis, e que não possuímos um critério ou padrão seguro que nos permita distinguir o verdadeiro do falso".
2. Assim chamada porque foi primeiro apresentada por Pirro de Elis, que viveu por volta de 315 a 225 AC. Cf. Popkin, x. Afirma Popkin: "Os pirrônicos consideravam que tanto os Dogmáticos como os Acadêmicos afirmavam demais, um grupo dizendo 'Algo pode ser conhecido", o outro dizendo "Nada se pode saber". Em lugar disso, os Pirrônicos propunham a suspensão do juizo sobre todas as questões em relação às quais parece haver evidência conflitante, incluindo a questão se há ou não há conhecimento".
3. Nenhum exemplo de enganos dos sentidos é fornecido na primeira Meditação. No Discurso e na sexta Meditação, porém, Descartes menciona uma série de exemplos bastante conhecidos e sempre invocados na literatura cética: uma torre quadrada parece redonda à distância, estátuas altas parecem pequenas à distância, estrelas distantes parecem muito menores do que são, pessoas que tiverem membros amputados ainda setem dor no lugar em que os membros não mais se encontram. Registre-se que os exemplos dados por Descartes envolvemee geralmente o que veio a ser chamado (a partir de Locke) qualidades secundárias, e não as qualidades primárias, que também Descartes acreditava existir apenas na mente. Cf (Kenny, 25-28).
4. Cf. Kenny, 29ff
5. Na verdade, Descartes nega que é uma experiência sensorial que corrige a outra: ele afirma que é o intelecto, com base em outras impressões sensoriais, que faz a correção. Ao enfiar um pauzinho na água, percebo, pelo meu sentido de visão, que o pauzinho fica torto. Meu sentido de tato, contudo, mostra que o pauzinho não está torto. Só os sentidos não me permitem adjudicar entre essas impressões sensoriais conflitantes. É o intelecto que me leva a, neste caso, optar pelo impressão produzida pelo tato. Cf. Kenny, 26).
6. Alguns críticos de Descartes têm apontado que ele não precisaria da hipótese do gênio maligno para colocar em dúvida enunciados matemáticos. Bastaria que ele invocasse a possibilidade de que, em sonho, tenhamos uma apreensão clara e distinta de que (por exemplo) dois e três são seis. Descartes procurou rebater esse argumento afirmando que, num caso como esse, o sonhador apenas pensaria estar tendo uma apreensão clara e distinta, mas que na verdade não a estaria tendo. Mas essa resposta é inadequada, no contexto, porque ela poderia ser aplicada também a percepções sensoriais. Por que não afirmar, em relação à pessoa que em sonho percebe estar ao lado da lareira, etc., que ela apenas pensa estar percebendo, mas na realidade não está. O argumento do sonho, como bem aponta Kenny (33-34), ou é insuficiente para questionar percepções presentes, ou então é suficiente para questionar também a matemática (dispensando a hipótese do gênio maligno).
7. Erro em relação a enunciados matemáticos e à percepção parece ser tão difícil que nada menos do que onipotência parece ser necessário para perpetrá-lo. Cf. Kenny, 34.
8. Muitos autores têm apontado que a dúvida de Descartes não foi tão radical quanto ele pretende. Se ele acreditava que os sentidos o haviam enganado algumas vezes, ou que matemáticos às vezes erram em seus raciocínios, então ele deve estar confiando em sua memória, ou na experiência subseqüente de constatar o erro. Talvez, para se sair dessa constatação, ele pudesse dizer que está apenas invocando relatos contraditórios acerca de experiências sensoriais ou de cálculos matemáticos. Mas mesmo assim, ele continuaria não colocando em dúvida o princípio da não-contradição, que afirma que contraditórios não podem ambos verdadeiros. Esse princípio Descartes não questiona nem mesmo com a hipótese do gênio maligno, e Descartes parece ter acreditado que era impossível duvidar dele. Descartes também não duvida de que ele conhece o sentido das palavras que ele usa, que ele sabe o que é pensamento, certeza, dúvida, verdade, existência (Cf. HR, I, 222) (Cf. Kenny, 20-21, 26-27, 50). Leibniz reclama que Descartes deveria ter fornecido critérios de clareza e distinção se realmente pretendia que esses conceitos servissem como marcas da verdade. Doney, 251, Popkin, SED (?), 205
9. Quando me refiro ao "cogito", entre aspas, como no título da presente seção, refiro-me a todo o argumento que culmina na expressão "Cogito, ergo sum".
10. É questionável, como se verá adiante, que o que aqui se apresenta seja um argumento dedutivo (o que Descartes chama de um "silogismo"), no sentido estrito da expressão. Se fosse, estaria faltando a premissa maior, a saber: "Se penso, existo" -- que exprime a idéia de que, para pensar, é preciso existir. Descartes reconhece isso e considera essa premissa tão óbvia a ponto de dispensar explicitação. Cf Kenny, 50ff
11. Cf Malcom, "Descartes' Proof that his Essence is Thinking"; cp article in APQ, 1972 or 1973, sobre o mesmo tópico, Check Yandell/Weinberg, intro to section on dualism
12. Cf "Clearness and Distinctness in Descartes", in Doney, p.250. Para que clareza e distinção fossem critérios de verdade certa seria necessário que tivéssemos critérios de clareza e distinção, que não temos.
13. A intuição, no caso, não se aplica apenas à conclusão de que ele existe, mas ao fato de que em pensando ele sabe que existe. Nem é legítimo afirmar que Descartes reinvindica ser possível intuir sua existência. O objeto da intuição é a inferência de que ele existe a partir do dado de que ele pensa, embora nas Regulae Descartes afirme que é possível intuir a existência, sem referência ao pensamento. Mas as Regulae foram escritas antes das formulações mais cuidadosas do "cogito" (Kenny, 51-55).
14. Obviamente, ao usar o termo "prova", mesmo sem aspas, não estou pré-julgando a validade dos argumentos de Descartes. Uso o termo com aspas, ou qualificado por "suposta", "pretensa", etc., tornaria o texto por demais pesado. Por isso prefiro usar a terminologia que Descartes, que sem dúvida estava convencido da validade de seus argumentos, utilizou.
15. Cf. David Kelly, The Evidence of the Senses: A Realist Theory of Perception (Louisiana State University Press, Baton Rouge, 1986), p.10.
16. Cf. David Kelly, op.cit., p.11.
17. Cf. David Kelly, op.cit., p.11.
18. Cf. David Kelly, op.cit., p.11.
19. Cf. David Kelly, op.cit., p.12.
(*) Este trabalho consiste basicamente de notas de aula e, portanto, não deve ser julgado com o mesmo rigor que se julga um artigo publicado ou um paper.
© Copyright by Eduardo Chaves

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O INCONSCIENTE FREUDIANO

Güven Güzelbere

Na época de Freud, não havia nenhuma estrutura teórica adequada a partir da qual se pudesse rejeitar a idéia cartesiana de equacionar a mente com o que quer que se encontrasse no alcance da consciência. Em outras palavras, a consciência era geralmente considerada como "o ponto de divisão entre a mente e o que não é mental" (Baldwin 1901, pg. 216), i.e., a marca do mental.
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Todavia, a concepção corrente da transparência da mente em relação à consciência, encontrada em Descartes e Locke, possuía muitos críticos.1 Particularmente, Leibniz, em sua réplica visionária a Locke nos Novos Ensaios, pode ser visto como precursor de alguns desdobramentos importantes na psicologia duzentos anos à frente de seu próprio tempo, especialmente com respeito à natureza e ao papel do inconsciente: "há milhares de indicações que nos levam a pensar que há em todos os momentos incontáveis percepções em nós, mas sem apercepção e sem reflexão... Numa palavra, percepções insensíveis [inconscientes] são de tão grande relevância na psicologia quanto os corpúsculos insensíveis o são na física, e é tão pouco razoável rejeitar as primeiras quanto as segundas, sob o pretexto de que estejam para além do alcance dos nossos sentidos" (Leibniz 1978, pgs. 11-14).
Contudo, considerar a consciência como marcando os limites da mente permaneceu sem dúvida alguma uma máxima influente na época de Freud. Por exemplo, o verbete "consciência", na edição de 1901 da Enciclopédia de Filosofia e Psicologia, diz: "[Consciência] é o caráter distintivo do que quer que possa ser chamado de vida mental" (Baldwin 1901, pg. 216). Nesse contexto, a convicção introspectiva daquela época - de que a psicologia é a "ciência do mental" - forneceu uma base especialmente forte para se rejeitar o inconsciente enquanto parte do mental, e por isso um tema para a psicologia. Titchener, por exemplo, foi resistente à idéia de inconsciente, a ponto de declará-lo um constructo teoricamente perigoso para a psicologia: "o subconsciente pode ser definido como uma extensão do consciente para além dos limites da observação... O subconsciente não é uma parte do assunto próprio da psicologia... Em primeiro lugar, a construção de um subconsciente é desnecessária... Em segundo lugar, a introdução de um subconsciente é perigosa (Titchener 1915, pgs. 326-7).2
Nada disso, porém, deve nos levar a crer que o conceito de inconsciente enquanto parte ou aspecto do mental era completamente estranho. Em outras palavras, Freud não foi realmente o inventor (ou descobridor) do conceito de inconsciente de modo algum. Pelo contrário, a atmosfera intelectual geral da época, que imediatamente precedeu o surgimento de Freud, permitia uma abordagem da atividade mental de vários tipos que ocorria sem a consciência do sujeito, pelo menos num sentido direto. Por exemplo, era geralmente conhecida e usada a metáfora da mente como um iceberg, consistindo da consciência como a parte acima da superfície e um componente inconsciente na parte submersa, constituída por correntes escondidas mas, não obstante, atuantes na vida mental consciente,.
Em particular, no final do sec. XIX, a idéia da mente inconsciente tinha já era lugar comum para muitos cientistas, filósofos e literatos, em uma linha hereditária que remontava a Rousseau, até chegar em Goethe, Fichte e Nietzsche (Whyte 1960). Freud aparentemente levou isso em conta, tal como é relatado por Ernest Jones, um dos maiores especialistas em Freud, na seguinte declaração que fez na festa de seu aniversário: "os poetas e filósofos antes de mim descobriram o inconsciente. O que eu descobri foi o método científico pelo qual o inconsciente pode ser estudado" (citado em MacIntyre 1958, pg. 6). Também houve tentativas de se estudar o inconsciente empiricamente. Por exemplo, Henri Ellenberger reconhece que Gustav Fechener, um pioneiro da pesquisa psicofísica, como a primeira pessoa que tentou revelar a natureza do inconsciente por meio de método experimentais, embora o seu trabalho não fora bem sucedido (Ellengerber 1970, cap. 5).
No entanto, não havia sido bem formulada nenhuma dessas idéias sobre processos mentais em uma mente que não está consciente deles: não havia uma abordagem coerente para explicar a estrutura, o papel funcional, ou a operação do inconsciente, ou mesmo a modalidade de sua relação com a consciência no esquema geral da vida mental de um indivíduo. Não havia consenso na comunidade intelectual nem com respeito à natureza do inconsciente, nem com respeito ao
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seu lugar em relação à consciência. Freud trouxe uma estrutura teórica equilibrada e promissora a essa situação na qual, pela primeira vez, tornou-se possível a construção de hipóteses para responder a cada uma dessas questões. Este é o sentido no qual se pode dizer que Freud é o pioneiro do inconsciente.3
Na teoria freudiana, o inconsciente propriamente dito consiste de processos reprimidos, exercendo pressão no componente consciente da mente do sujeito e modelando a sua vida cotidiana de modo substancial. Em contraste com isso, há o pré-consciente, que inclui esses processos que somente contingencialmente se encontram fora da consciência. O que é pré-consciente pode facilmente tornar-se consciente sem técnicas especiais ou esforço; o que é inconsciente, porém, tem de ser "trazido à tona" através da técnica psicanalítica com a ajuda de um analista.
O inconsciente freudiano não é o mesmo que, embora esteja relacionado a, inconsciência empregada na pesquisa em psicologia cognitiva atual em relação a processos inconscientes - o "inconsciente cognitivo". Processos inconscientes de ambos os tipos são opacos à introspecção, mas há uma diferença entre eles. O inconsciente freudiano existe por causa de eventos passados, explicáveis por meio de mecanismos de repressão e coisas a eles associados, e não é em princípio inacessível. O inconsciente cognitivo, por outro lado, existe em virtude do modo como o nosso sistema perceptual cognitivo é constituído e se encontra em princípio fora do nosso alcance. Os mecanismos que subvertem a percepção profunda, por exemplo, são tomados como inerentes a nós; eles não estão lá devido à repressão, e jamais pode se tornar conscientes através de qualquer método, psicanalítico ou não. O reconhecimento e o estudo do inconsciente cognitivo começou muito antes de Freud, com o trabalho de von Helmholtz sobre a constância perceptual, e chega até a tese da "inferência perceptual inconsciente" de Rock (1983). Apesar de tais diferenças, porém, a abordagem freudiana do inconsciente foi muito moderna e precedeu a "revolução cognitiva".
Uma abordagem geral do inconsciente freudiano incluindo a sua estrutura e dinâmica, é feita por Erdelyi (1985). Ele também é um defensor da idéia de que a psicologia freudiana está realmente muito próxima, em essência, da psicologia cognitiva do nosso tempo - especialmente em termos de sua tentativa de compreender os fenômenos mentais e a metodologia da pesquisa. Ele segue reconstruindo os esquemas freudianos da estrutura da consciência, de um modo muito plausível, num estilo bastante atual. Neisser (1976) também se refere aos diagramas de Freud, mostrando a estrutura da divisão tripartite do consciente, pré-consciente e inconsciente como "esquemas de fluxos" (Freud 1950, pg. 394).4 É verdade não apenas que Freud antecipou alguns dos desenvolvimentos na psicologia cognitiva mas também que o inconsciente freudiano, mesmo se sob nomes diferentes, desempenhou um papel significativo como um constructo influente na psicologia cognitiva.
Notas
1 Notemos, porém, que uma curiosa passagem nas Paixões da Alma de Descartes sugere um compromisso teórico com algo muito semelhante ao inconsciente de Freud, que não se encaixa com o seu compromisso sobre a transparência da mente: "As estranhas aversões de certas pessoas, que as tornam incapazes de suportar o cheiro das rosas, a presença de um gato, e assim por diante, podem ser imediatamente reconhecidas como resultando simplesmente do fato de as mesmas terem tido experiências traumáticas com objetos desse tipo nos primeiros anos de suas vidas... E o cheiro das rosas pode Ter causado uma enxaqueca na criança quando ela ainda se encontrava no berço, ou um gato pode tê-la amedrontado sem que ninguém notasse e sem que nenhuma memória permanecesse depois; e, contudo, a idéia de uma aversão que a criança tenha sentido por rosas ou por gatos permanecerá impressa em seu cérebro até o fim de sua vida." (Paixões da Alma, II, parag. 136, AT 429). Infelizmente, não fui capaz de encontrar nenhuma elaboração mais detalhada dessa idéia nos escritos de Descartes, o que sem dúvida seria de grande relevância para aprimorar a compreensão da natureza do que parece ser uma tensão teórica manifesta.
2 A controvérsia sobre o estatuto dos estados mentais inconscientes é multifacetada. Outro forte crítico do inconsciente, embora por razões diferentes das de Titchener (que tem a ver com a sua atitude contra as visões panpsíquicas da consciência), é William James (1950). Ele salienta impacientemente: "a distinção... entre o ser inconsciente e o ser consciente de um estado mental... é o meio soberano para se acreditar no que se espera em psicologia, e transformar aquilo que pode se tornar ciência em um palco para fantasias" (pg. 163). Uma linha de objeção diferente é também elaborada, de um modo um tanto cartesiano, por Searle (1992) e por Strawson (1994). Notemos que em Titchener, o debate sobre o inconsciente tornou-se um debate sobre o subconsciente, mas não há razão suficiente para se pensar que nada teoricamente significativo HANGS ON essa substituição implícita. Essa variação terminológica se origina do fato de que Freud e seu contemporâneo, Pierre Janet, teve uma discordância inicial que os deixaram com dois termos diferentes (inconsciente e subconsciente) e cada um adotou e perpetuamente possuiu o seu próprio termo como vingança. Mas isso correu mais em virtude de disputas pessoais entre duas personalidades do que em função de uma dissonância teórica sobre a natureza e estrutura daquilo que não é consciente. E até que eu saiba, não há evidência de que o uso de Titchener do termo de Janet, subconsciente, e não o do inconsciente de Freud, seja o resultado de uma "decisão consciente" e de um compromisso teórico. Para uma abordagem significativa da relação entre Freud e Janet, ver Perry & Laurence (1984).
3 Para uma discussão interessante da questão sobre se o inconsciente freudiano é um "constructo teórico" tal como as entidades teóricas científicas, ver Dilman (1972).
4 Notemos que, através do tempo, Freud ficou insatisfeito com a sua estrutura tripartite e eventualmente introduziu os novos elementos id, ego e superego em sua concepção: "No desenrolar do trabalho analítico, porém, essas distinções (i.e., consciente, pré-consciente e inconsciente) se revelaram inadequadas e, por razões práticas, insuficiente. Isto se torna claro em inúmeras ocasiões; mas o momento decisivo foi o seguinte. Formamos a idéia de que em cada indivíduo há uma organização coerente de processos mentais; e a chamamos de ego" (Freud 1962, pg. 7). Mais tarde, Freud (1964) oferece uma representação esquemática da estrutura da consciência, com o id, o ego e o superego sendo "superimpostos" na divisão tripartite clássica consciente, pré-consciente e inconsciente.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

É POSSIVEL A METAFÍSICA COMO CIÊNCIA?

Kant: É possível a metafísica como ciência?
Luciene FélixProfessora de Filosofia e Mitologia Greco-Romana da ESDCmitologia@esdc.com.br
“Duas coisas enchem meu coração de admiração e veneração sempre renovadas e crescentes: o céu estrelado sobre mim e a lei moral dentro de mim”.Immanuel Kant
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), merecidamente, figura entre as estrelas de primeira grandeza no céu estrelado sobre nós, a saber: Sócrates, Platão e Aristóteles, por exemplo. Neste artigo recortaremos o percurso de Kant ao indagar sobre a possibilidade da metafísica como ciência e, oportunamente veremos como este monumental filósofo funda a ética na racionalidade. O famoso imperativo categórico nada mais é que a razão (independente da religião) fundando a “lei moral dentro de nós”.
Para compreendermos a filosofia kantiana, convém contextualizar o momento histórico no qual suas teorias foram desenvolvidas. O filósofo francês René Descartes (1596-1650), aplicando um método de raciocínio absolutamente lógico, numa dieta sem precedentes, reduzira a compreensão da existência humana em res cogito (coisa pensante) e res extensa (coisa que possui extensão): corpo e mente. Kant foi herdeiro deste dualismo cartesiano, assim como também vivera a influência do surgimento da mecânica newtoniana. Com a física de Isaac Newton, a implicação da relação fenomenológica causa-efeito fora estabelecida. A ciência físico-matemática impõe seus sistemas de leis.
A física trata da realidade, de fatos mensuráveis e matematicamente demonstráveis. Quanto à metafísica, o termo foi utilizado pela primeira vez por Aristóteles para distinguir seus escritos de física daqueles que estavam para “além” da física. A metafísica se ocupa de abstrações intangíveis e não demonstráveis empiricamente (pela experiência) tais como a existência de objetos transcendentes, como Deus ou a Alma, por exemplo.
No início da obra Crítica da Razão Pura, Kant afirma que todo conhecimento começa com a experiência, mas logo à seguir esclarece que isso não prova que todo ele derive da experiência. Nossa mente nos pré-condiciona a alguns conhecimentos sem que haja comprovação de sua veracidade pela experiência, impressões dadas pelos sentidos.
O tempo e o espaço, por exemplo, são denominados conhecimento “a priori” porque nossa faculdade de inteligir esses conceitos são dados à nossa mente sem que haja necessidade de uma comprovação empírica.
Tempo e espaço são elementos apriorísticos porque somos (res extensa), pensamos (res cogito), enfim, quando “existimos” já contamos com eles. As demais interações que tivermos com o mundo partirão do pressuposto de que ocupamos um lugar, num tempo.
Já nossos sentidos (visão, olfato, paladar, audição e tato) nos proporcionam conhecimentos – do mundo que nos cerca e de todos os objetos que nos cercam neste mundo – por meio da sensibilidade que vem da experiência de ter tido algum tipo de contato com o que se nos apresenta. A esse tipo de conhecimento Kant denominou “a posteriori”.
Dentre os problemas sobre os quais o filósofo de Königsberg se debruça está a busca em saber se seria possível estabelecer a metafísica como ciência (lembremo-nos que ciência para Kant é a mecânica newtoniana). Entendendo-se como ciência um conhecimento universal e necessário. Universalidade significa exatamente o que a palavra diz: universal porque se cumpre em todos os casos ou que se vale sem exceção.
Já necessidade quer dizer que um enunciado é logicamente necessário quando sua negação implica uma contradição, por exemplo: se definirmos um triângulo como uma figura de três lados, logo, uma figura de três lados é um triângulo. Nas palavras de Mario Porta: “a lógica explicita a legalidade da Razão, sendo essa (a razão) a fonte da necessidade presente naquela (a lógica)”. Ciência seria conhecimento que reune as qualidades de universal e necessário . A matemática, por exemplo, trata-se de um juízo (entendimento) universal e necessário. Retomando a indagação: é possível a metafísica como ciência?
Kant conclui que não pois é impossível que comprovemos, através da racionalidade, a existência ou não de algo como a metafísica que, se existe, está fora do âmbito do que se estabeleceu como ciência (Universalidade e Necessidade).
De fato, é mesmo irracional querer comprovar com a razão algo que corre por fora dos trilhos por onde serpenteiam os vagões da racionalidade. A razão não tem como dar conta do que foge à possibilidade de entendimento ou seja, da inteligibilidade do sujeito cognoscente e a inexata metafísica, como alma d' outro mundo, vagueia para além dos domínios da razão.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

A FILOSOFIA E SUA IMPORTÂNCIA NOS DIAS ATUAIS

A FILOSOFIA E SUA IMPORTÂNCIA NOS DIAS ATUAIS Vive-se hoje sob a influência de novas tecnologias. Novas técnicas e descobertas científicas sofisticadas e em crescente sofisticação. Neste aspecto, a informática e a engenharia genética são exemplares. A cada nova descoberta no campo tecno-científico, as relações entre o homem, a máquina e a natureza são passíveis de transformação. O mundo contemporâneo se traduz numa situação paradoxal: o novo convive com os conceitos e valores tradicionais, nem sempre capazes de explicá-lo e de compreendê-lo. O real, de simples, tornou-se complexo. A vida passou a ser valorizada em termos do prático, do interesse, da necessidade. O efêmero e o útil determinam a conduta humana em meio às guerras, às crises econômico-sociais, às doenças, às misérias e aos desastres ecológicos. Neste contexto, como encontrar um lugar para a reflexão filosófica? É possível, face à perplexidade e à complexidade do mundo contemporâneo, haver lugar para a filosofia, entendida como um saber desinteressado, desvinculado da vida prática e imediata e definido como a busca de sabedoria? Pode a filosofia, na atualidade, dar respostas às questões colocadas pelos avanços tecno-científicos, pelas guerras, pela miséria, pela pobreza? Definir a filosofia como a busca de sabedoria não é um ideal caduco nos dias atuais? Neste sentido, a filosofia, procurando responder às questões próprias deste tempo, instala-se nas academias, nas ruas, nos cafés, na praça pública, nos cursos particulares, nas conferências, nos livros, nos best-sellers. Nos dias atuais, a era da filosofia se mescla à época da ciência e da técnica e sua busca pela sabedoria se traduz num saber profundamente interessado no caminho, na existência do homem, constituindo-se significativamente em liberdade e em criação. Vive-se hoje sob a influência de novas tecnologias. Novas técnicas e descobertas científicas sofisticadas e em crescente sofisticação. Neste aspecto, a informática e a engenharia genética são exemplares. A cada nova descoberta no campo tecno-científico, as relações entre o homem, a máquina e a natureza são passíveis de transformação. O mundo contemporâneo se traduz numa situação paradoxal: o novo convive com os conceitos e valores tradicionais, nem sempre capazes de explicá-lo e de compreendê-lo. O real, de simples, tornou-se complexo. A vida passou a ser valorizada em termos do prático, do interesse, da necessidade. O efêmero e o útil determinam a conduta humana em meio às guerras, às crises econômico-sociais, às doenças, às misérias e aos desastres ecológicos. Neste contexto, como encontrar um lugar para a reflexão filosófica? É possível, face à perplexidade e à complexidade do mundo contemporâneo, haver lugar para a filosofia, entendida como um saber desinteressado, desvinculado da vida prática e imediata e definido como a busca de sabedoria? Pode a filosofia, na atualidade, dar respostas às questões colocadas pelos avanços tecno-científicos, pelas guerras, pela miséria, pela pobreza? Definir a filosofia como a busca de sabedoria não é um ideal caduco nos dias atuais? Neste sentido, a filosofia, procurando responder às questões próprias deste tempo, instala-se nas academias, nas ruas, nos cafés, na praça pública, nos cursos particulares, nas conferências, nos livros, nos best-sellers. Nos dias atuais, a era da filosofia se mescla à época da ciência e da técnica e sua busca pela sabedoria se traduz num saber profundamente interessado no caminho, na existência do homem, constituindo-se significativamente em liberdade e em criação.

terça-feira, 14 de abril de 2009

O que é Filosofia?????????

O que é Filosofia e por que vale a pena estudá-la
A. C. Ewing
SEÇÃO INTRODUTÓRIA: A ORIGEM DO TERMO FILOSOFIA
Uma definição precisa do termo "filosofia" é impraticável. Tentar formulá-la poderia, ao menos de início, gerar equívocos. Com alguma espirituosidade, alguém poderia defini-la como "tudo e nada, tudo ou nada...". Melhor dizendo, a filosofia difere das ciências especiais na medida em que procura oferecer uma imagem do pensamento humano - ou mesmo da realidade, até onde se admite que isso possa ser feito -- como um todo. Contudo, na prática, o conteúdo de informação real que a filosofia acrescenta às ciências especiais tende a desvanecer-se até parecer não deixar vestígios. Acreditamos que esse desvanecimento seja enganoso. Mas devemos admitir que até aqui a filosofia não tem conseguido realizar suas grandes pretensões. Tampouco tem logrado êxito em produzir um corpo de conhecimentos consensual comparável ao elaborado pelas diversas ciências. Isso se deve em parte, embora não integralmente, ao fato de que, quando obtemos conhecimento verdadeiro a respeito de determinada questão situamos essa questão como pertencente à ciência e não à filosofia. 0 termo "filósofo" significava originariamente "amante da sabedoria", tendo surgido com a famosa réplica de Pitágoras aos que o chamavam de "sábio". Insistia Pitágoras em que sua sabedoria consistia unicamente em reconhecer sua ignorância, não devendo portanto ser chamado de "sábio", mas apenas de "amante da sabedoria". Nessa acepção, "sabedoria" não se restringia a qualquer dos domínios particulares do pensamento e, de modo similar, "filosofia" era usualmente entendida como incluindo o que hoje denominamos "ciência". Esse uso sobrevive ainda hoje em expressões como "filosofia natural". Na medida em que uma grande produção de conhecimento especializado em um dado campo ia sendo conquistada, o estudo desse campo se desprendia da filosofia, passando a constituir uma disciplina independente. As últimas ciências que assim evoluíram foram a psicologia e a sociologia. Dessa forma, poderíamos falar de uma tendência à contração da esfera da filosofia na própria medida em que o conhecimento se expande. Recusamo-nos a considerar filosóficas as questões cujas respostas podem ser dadas empiricamente. Não desejamos com isso sugerir que a filosofia poderá acabar sendo reduzida ao nada. Os conceitos fundamentais das ciências, da figuração geral da experiência humana e da realidade (na medida em que formamos crenças justificadas a seu respeito) permanecem no âmbito da filosofia, visto que, por sua própria natureza, não podem ser determinados pelos métodos das ciências especiais. É sem dúvida desencorajador que os filósofos não tenham logrado maior concordância com respeito a esses assuntos, mas não devemos concluir que a inexistência de um resultado por todos reconhecido signifique que esforços foram realizados em vão. Dois filósofos que discordem entre si podem estar contribuindo com algo de inestimável valor, embora ambos não estejam em condição de escapar totalmente ao erro: suas abordagens rivais podem ser consideradas mutuamente complementares. O fato de filósofos distintos necessitarem dessa mútua complementação torna evidente que o ato de filosofar não é unicamente um processo individual, mas também um processo que possui uma contrapartida social. Um dos casos em que a divisão do trabalho filosófico se torna bastante proveitosa consiste na circunstância de que pessoas distintas usualmente enfatizam aspectos diferentes de uma mesma questão. Contudo, boa parte da filosofia volta-se mais para o modo pelo qual conhecemos as coisas do que propriamente para as coisas que conhecemos, sendo essa uma segunda razão pela qual a filosofia parece carecer de conteúdo. No entanto, discussões a respeito de um critério definitivo de verdade podem determinar, na medida em que recomendam a aplicação de um dado critério, quais as proposições que na prática deliberamos serem verdadeiras. As discussões filosóficas da teoria do conhecimento têm exercido, ainda que de modo indireto, importante efeito sobre as ciências.
UTILIZAÇÃO DA FILOSOFIA
Há uma questão que muita gente formula de imediato quando ouve falar de filosofia: qual a utilidade da filosofia? Não há certamente expectativa alguma de que ela contribua para a produção de riqueza material. Contudo, a menos que suponhamos que a riqueza material seja a única coisa de valor, a incapacidade da filosofia de promover esse tipo de riqueza não implica que não haja sentido prático em filosofar. Não valorizamos a riqueza material por si própria - aquela pilha de papel que chamamos de dinheiro não é boa por si mesma -, mas por contribuir para nossa felicidade. Não resta dúvida de que uma das mais importantes fontes de felicidade, ao menos para os que podem apreciá-la, consiste na busca da verdade e na contemplação da realidade; eis aí o objetivo do filósofo. Ademais, aqueles que, em nome de um ideal, não classificaram todos os prazeres como idênticos em seu valor, tendo chegado a experimentar o prazer de filosofar, consideraram essa experiência como superior em qualidade a qualquer outra. Visto que a maior parte dos bens que a indústria produz, excetuando os que suprem nossas necessidades básicas, valem apenas como fontes de prazer, torna-se a filosofia perfeitamente apta, no que se refere à utilidade, para competir com a maioria dos produtos industriais, quando poucos são os que podem dedicar-se, em tempo integral à tarefa de filosofar. Mesmo que entendêssemos a filosofia como fonte de um inocente prazer particularmente válido por si próprio (obviamente, não apenas para os filósofos, mas também para todos aqueles a quem eles ensinam e influenciam), não haveria razão para invejar tão pequeno desperdício da força humana dedicada ao filosofar.
Não esgotamos, porém, tudo o que pode ser dito em favor da filosofia. Pois, à parte qualquer valor que lhe pertença intrinsecamente acima de seus efeitos, a filosofia tem exercido, por mais que ignoremos isso, uma admirável influência indireta até mesmo sobre a vida de gente que nunca ouviu falar nela. Indiretamente, tem sido destilada através de sermões, da literatura, dos jornais e da tradição oral, afetando assim toda a perspectiva geral do mundo. Em grande parte, foi através de sua influência que se fez da religião cristã o que ela é hoje. Devemos originalmente a filósofos idéias que desempenharam papel fundamental para o pensamento em geral, mesmo em seu aspecto popular, como, por exemplo, a concepção de que nenhum homem pode ser tratado apenas como um meio ou a de que o estabelecimento de um governo depende do consentimento dos governados. No âmbito da política, a influência das concepções filosóficas tem sido expressiva. Nesse sentido, a Constituição norte-americana é, em grande parte, uma aplicação das idéias do filósofo John Locke; ela apenas substitui o monarca hereditário por um presidente. Similarmente, admite-se que as idéias de Rousseau tenham sido decisivas para a Revolução Francesa de 1789. É inegável que a influência da filosofia sobre a política pode às vezes ser nefasta: os filósofos alemães do século X1X podem ser parcialmente responsabilizados pelo desenvolvimento de um nacionalismo exacerbado que posteriormente veio a assumir formas bastante deturpadas. Todavia, não resta dúvida de que essa responsabilidade tem sido freqüentemente muito exagerada, sendo difícil determiná-la exatamente, o que se deve ao fato de aqueles filósofos terem sido obscuros. Contudo, se uma filosofia de má qualidade pode exercer influência nefasta sobre a política, com as filosofias de boa qualidade pode ocorrer o contrário. Não há meios de impedir tais influências sendo portanto extremamente oportuno que dediquemos especial atenção à filosofia com o intuito de constatar se concepções que exerceram alguma influência foram mais positivas do que nefastas. 0 mundo teria sido poupado de muitos horrores caso os alemães tivessem sido influenciados por uma filosofia melhor que a dos nazistas.
Torna-se, portanto, imperativo abandonar a afirmação de que a filosofia é destituída de valor, mesmo com respeito à riqueza material. Uma boa filosofia, ao influenciar favoravelmente a política, pode gerar uma prosperidade incapaz de ser alcançada sob a égide de uma filosofia inferior. Outrossim, o expressivo desenvolvimento da ciência, com seus conseqüentes benefícios de ordem prática, muito depende de seu background filosófico. Houve mesmo quem tenha chegado a afirmar, a nosso ver exageradamente, que o desenvolvimento da civilização como um todo seria concomitante às mudanças na idéia de causalidade, da concepção mágica de causalidade à científica. De qualquer modo, a idéia de causalidade faz parte do objeto da filosofia. A própria ‘perspectiva científica’, em grande parte, foi introduzida inicialmente pelos filósofos.
Todavia, certamente não estaremos nas melhores condições para fazer um estudo proveitoso da filosofia se a encararmos principalmente como uma via indireta de acesso à riqueza material. A principal contribuição da filosofia consiste no intangível background intelectual do qual muito dependem o clima espiritual e a feição geral de uma civilização. Nesse sentido, ocasionalmente se desenvolvem ambições ainda maiores. Whitehead, um dos mais expressivos e acatados pensadores modernos, descreve os dons da filosofia como "a capacidade de ver e de prever, aliada a um sentido do valor da vida, ou seja, o sentido da importância que anima todo esforço civilizado".1 Acrescenta ainda Whitehead que, "quando uma civilização atinge seu auge sem coordená-lo com uma filosofia de vida, difundem-se por toda a comunidade períodos de decadência e monotonia, seguidos pela estagnação de todos os esforços". Para ele, a filosofia consiste em "uma tentativa de esclarecer as crenças que, em última instância, determinam nossa atenção, a qual integra a base de nosso caráter". De um modo ou de outro, podemos ter como certo que o caráter de uma civilização é enormemente influenciado por sua concepção geral da vida e da realidade. Até pouco tempo, para a maioria das pessoas, essa concepção era proporcionada pelo ensino religioso, mas as próprias concepções religiosas foram muito influenciadas pelo pensamento filosófico. Ademais, a experiência demonstra que as concepções religiosas podem conduzir-nos à loucura, a menos que sejam continuamente submetidas a uma avaliação racional. Os que rejeitam qualquer concepção religiosa devem ter o maior interesse em elaborar uma nova concepção para, se possível, substituir a crença religiosa. E fazê-lo significa engajar-se na filosofia.
Embora não passa substituir a filosofia, a ciência suscita problemas filosóficos. Pois ela não pode dizer-nos que lugar ocupam os fatos com que lida no esquema geral das coisas, não conseguindo nem mesmo esclarecer suas relações com os espíritos que os observam. Nem mesmo pode demonstrar, embora deva admitir, a existência do mundo físico ou a legitimidade do uso dos princípios da indução para prever as prováveis ocorrências futuras ou ultrapassar de alguma forma o que tem sido efetivamente observada. Nenhum laboratório científico pode demonstrar em que sentido os homens têm uma alma, se o universo tem ou não um propósito, se, e em que sentido, somos livres, e assim por diante. Não desejamos com isso sugerir que a filosofia possa resolver esses problemas; no entanto, se ela realmente não puder, nada mais poderá fazê-lo, sendo certamente válido tentar descobrir ao menos se tais problemas podem ser solucionados. Veremos, que a própria ciência pressupõe continuamente conceitos que subsumem os domínios da filosofia E, da mesma forma que nenhuma ciência pode florescer se não admitirmos tacitamente uma resposta para certas questões filosóficas, não podemos fazer uso mental adequado da ciência, com o intuito de implementar nosso desenvolvimento intelectual, sem admitirmos uma visão de mundo mais ou menos coerente. Mesmo as melhores conquistas da ciência moderna não teriam sido alcançadas se os cientistas não tivessem adotado determinadas suposições de grandes e originais filósofos, nas quais basearam todo o seu proceder. A concepção "mecanicista" do universo, que caracterizou a ciência durante os últimos três séculos, é derivada principalmente do filosofia de Descartes. Por ter ocasionado maravilhosos resultados, o esquema mecanicista deve ser, em parte, verdadeiro, ainda que parcialmente inadequado, apressando-se o cientista em buscar no filósofo o necessário auxílio para erigir novo esquema que possa substituir o antigo.
Um segundo serviço inestimável prestada pela filosofia (especialmente pela "filosofia crítica") reside no hábito, por ela estimulado, de promover-se um julgamento imparcial considerando-se todas as facetas de uma questão, e na idéia que ela oferece do que seja a evidência e de que devemos buscar ou esperar de uma prova. Pode ser esse um importante questionamento das inclinações emocionais e das conclusões precipitadas, sendo especialmente necessário, e com freqüência negligenciado, em controvérsias políticas. Se ambos os lados considerassem suas diferenças políticas munidos de espírito filosófico, seria difícil admitir a eventualidade de uma guerra. O sucesso da democracia depende muito da habilidade dos cidadãos em distinguir um bom de um mau argumento, não se deixando enganar por confusões. A filosofia crítica estabelece um padrão ideal para o raciocínio correto e capacita quem a estuda a remanejar argumentos confusos. Talvez seja esse a motivação pela qual Whitehead afirma, na passagem acima citada, que "nenhuma sociedade democrática poderá alcançar êxito sem que a educação geral que a inspire exprima uma perspectiva filosófica".
Na medida em que admitirmos que certa cautela é desejável ao afirmarmos que os homens não deixam de viver de acordo com uma filosofia na qual acreditam, e enquanto atribuirmos a maior parte dos desacertos humanos exatamente à falta desse desejo de sintonia com ideais mais nobres, não poderemos negar a extrema relevância de crenças gerais a respeito da natureza do universo e do bem para a determinação da progresso ou da degeneração da humanidade. Algumas partes da filosofia inegavelmente produzem resultados práticos mais expressivos, mas não devemos por isso incorrer no erro de supor que a aparente inexistência de um suporte de ordem prática para determinado campo de estudo implica que a investigação desse campo seja destituída de sentido prático. Conta-se que um cientista, que costumava jactar-se de desprezar a dimensão prática de toda pesquisa, disse certa vez a respeito de uma: "0 melhor disso tudo é que ela possivelmente não revelará qualquer utilidade prática para quem quer que seja." Todavia, essa linha de pesquisa acabou levando à descoberta da eletricidade. De modo similar, estudos filosóficos por demais acadêmicos e aparentemente destituídos de utilidade prática terminam por exercer profunda influência sobre a visão de mundo, chegando até mesmo a afetar, em última instância, a ética e a religião que adotamos. Pois as diferentes partes da filosofia, os diferentes elementos que compõem nossa visão de mundo, deveriam integrar-se. Tal é pelo menos o objetivo, nem sempre alcançável, de uma boa filosofia. Sendo assim, conceitos à primeira vista muito distanciados de qualquer interesse de ordem prática podem vir a afetar de modo vital outros conceitos que envolvem mais de perto a vida diária.
Podemos compreender agora o motivo pelo qual a filosofia não precisa recear a questão de ter ou não valor prático. Devo ao mesmo tempo dizer que não aprovo de modo algum uma concepção puramente pragmática da filosofia. A filosofia merece ser valorizada por si própria, e não por seus efeitos indiretos de ordem prática. E a melhor maneira de assegurarmos esses bons efeitos práticos é nos dedicarmos à filosofia pela filosofia. Para encontrar a verdade, precisamos buscá-la desinteressadamente. E o fato de a encontrarmos se revelará muito útil do ponto de vista prático. Não obstante, uma preocupação prematura com seus efeitos práticos só dificultará nossa busca do que é de fato verdadeiro. Muito menos podemos fazer desses efeitos práticos o critério de sua verdade. As crenças são úteis porque são verdadeiras, e não verdadeiras porque são úteis.2
PRINCIPAIS DIVISÕES DA FILOSOFIA
A seguinte classificação é usualmente aceita como uma especificação dos diversos assuntos que compõem a filosofia.
(1) Metafísica.3 Essa disciplina é concebida como o estudo da natureza da realidade em seus aspectos mais gerais, na medida em que podemos fazê-lo. Ela lida com questões do seguinte tipo: De que modo a matéria se relaciona com o espírito? Qual dos dois é anterior? São os homens livres? 0 que chamamos de eu (self) é uma substância ou apenas uma seqüência de experiências? É o universo infinito? Deus existe? Até que ponto o universo é uma unidade ou uma diversidade? Até que ponto um sistema é racional?
(2) Recentemente, a filosofia crítica tem sido freqüentemente contraposta à metafísica (que nesse caso é às vezes denominada filosofia especulativa). A filosofia crítica consiste na análise e na crítica dos conceitos pertencentes ao senso comum e às ciências. As ciências pressupõem certos conceitos que não são suscetíveis de investigação por meio de métodos científicos, de modo que passam a integrar o âmbito da filosofia. Nesse sentido, todas as ciências, com exceção da matemática, pressupõem de alguma forma a concepção de lei natural; cabe à filosofia, e não a qualquer das ciências particulares, examinar tal concepção. De modo similar, pressupomos, em nossos diálogos mais comuns e menos filosóficos, conceitos fortemente imbuídos de problemas filosóficos, como matéria, espírito, causa, substância e número. Uma importante tarefa da filosofia consiste exatamente em analisar conceitos desse tipo, precisar o que significam e determinar em que medida sua aplicação ao estilo do senso comum pode ser justificada. A parte da filosofia crítica que trata da investigação da natureza e dos critérios de verdade, assim como da maneira pela qual obtemos conhecimento, é chamada de epistemologia (teoria do conhecimento). Questões específicas desse campo são, entre outras, as seguintes: Como podemos definir a verdade? Qual a distinção entre conhecimento e crença? Podemos estar certos daquilo que sabemos'? Quais as funções relativas do raciocínio, da intuição e da experiência sensorial?
No presente trabalho, iremos ocupar-nos desses dois ramos da filosofia , como constituindo sua parte filosófica mais fundamental e característica. Apontaremos ainda algumas disciplinas suplementares, que possuem certa afinidade com a filosofia na acepção que lhe atribuímos neste livro, embora dela sejam distintas na medida em que são dotadas de relativa autonomia. Esses são os ramos que definiremos a seguir.
FILOSOFIA E DISCIPLINAS AFINS
(1) É difícil separar a lógica da epistemologia. Mesmo assim, ela é normalmente considerada uma disciplina autônoma. Trata-se de um estudo dos diferentes tipos de proposições e de suas relações que justificam uma inferência. Certas partes da lógica revelam acentuada afinidade com a matemática; outras poderiam igualmente ser classificadas como pertencentes à epistemologia.
(2) A ética ou filosofia moral lida com os valores e a problemática do "dever". Ela formula questões como; Qual o bem supremo? Qual a definição de bem? A retidão de um ato depende unicamente de suas conseqüências? Nossos juízos sobre nossos próprios deveres são subjetivos ou objetivos? Qual a função de um ato punitivo? Qual a razão última pela qual não devemos mentir?
(3) A filosofia política consiste na aplicação da filosofia (da ética principalmente) a questões relacionadas com os indivíduos enquanto organizados sob a égide de um Estado. Ela investiga questões do seguinte tipo: Um indivíduo possui direitos que contrariam os interesses do Estado? Há no Estado algo mais além dos indivíduos que o constituem? É a democracia a melhor forma de governo?
(4) A estética consiste na aplicação da filosofia ao exame da arte e da noção de beleza. É típico da estética formular questões do seguinte tipo: A beleza é objetiva ou subjetiva? Qual é a função da arte? Para que aspectos de nossa natureza apelam as diversas formas de beleza?
(5) 0 termo mais geral - teoria do valor - é às vezes utilizado de modo a abranger o estudo dos valores considerados em si mesmos, embora esse ramo possa ser incluído na ética ou na filosofia moral. De qualquer modo, é sempre possível entendermos a noção de valor como uma concepção geral cujas espécies e aplicações particulares são desenvolvidas pelas disciplinas apresentadas nos itens (2), (3) e (4).
A TENTATIVA DE EXCLUIR A METAFISICA EM FACE DA OBJEÇAO DE QUE MESMO A FILOSOFIA CRI'TICA A PRESSUPÕE
Diversas tentativas, algumas das quais discutiremos posteriormente, foram feitas no sentido de excluir a metafísica como injustificável e confinar a filosofia à sua versão crítica e às cinco áreas afins que mencionamos, na medida em que podem ser consideradas uma abordagem ou um estudo crítico dos conceitos da ciência e da vida prática. Tal concepção foi ocasionalmente expressa pela afirmação de que a filosofia consiste, ou deve consistir, na análise das proposições do senso comum. É óbvio que tal afirmação, quando se pretende exclusiva, chega a ser exagerada. Pois, (1) mesmo que uma metafísica legítima e positiva não seja possível, haverá certamente um campo de estudos que se ocupe da refutação dos argumentos falaciosos que supostamente conduziriam a conclusões metafísicas; e tal campo faria obviamente parte da filosofia. (2) A menos que as proposições do senso comum sejam inteiramente falsas, sua análise deverá fornecer-nos uma explicação geral daquela parcela da realidade à qual se referem as proposições, ou seja, proporcionar, de algum modo, parte da explicação geral do real que a metafísica busca oferecer. Nesse sentido, poderíamos dizer que, se existir, o espírito - obviamente ele existe em certo sentido - podemos obter uma metafísica do espírito a partir da análise das proposições do senso comum relativas a nós mesmos, na medida em que tais proposições são verdadeiras - de fato, seria difícil admitir que todas as nossas proposições do senso comum acerca dos seres humanos possam ser de todo falsas. Talvez não seja essa uma metafísica altamente elaborada e de grande alcance, mas de qualquer modo envolverá genuínas proposições metafísicas. Mesmo se afirmarmos que tudo que conhecemos é apenas aparência, a aparência implica uma realidade que aparece e um espírito para o qual ela aparece, e como estes não podem também ser apenas aparências, estaremos ainda admitindo alguma metafísica. Até mesmo behaviorismo é uma metafísica. Não desejamos com isso afirmar a possibilidade atual ou mesmo futura de ,ama metafísica, no sentido de um sistema elaborado que nos propicie grande dose de informação sobre a estrutura geral da realidade e as coisas que mais desejamos conhecer. Isso só pode ser feito ambulando, tentando-se estabelecer e criticar as proposições metafísicas em questão. Não obstante, por mais que sejamos apaixonadamente metafísicos, não passaremos sem a filosofia crítica. A mera tentativa de dispensá-la acarretará a produção de uma metafísica deplorável. Pois, mesmo na metafísica, devemos partir dos conceitos do senso comum e das ciências, já que não dispomos de outros. Ademais, se nossos fundamentos são seguros, devemos cuidadosamente analisá-los e examiná-los. Dessa forma, não podemos separar totalmente a filosofia crítica da metafísica, o que não impede um filósofo de atribuir muito maior importância a um desses elementos.
A FILOSOFIA E AS CIÊNCIAS ESPECIAIS
A filosofia difere das ciências especiais com respeito a (1) sua maior generalidade e (2) a seu método. Ela investiga os conceitos que são supostos simultaneamente por inúmeras ciências diferentes, além das questões que não se situam no âmbito das ciências. A ciência compartilha com o senso comum os conceitos que demandam essa investigação filosófica, mas as descobertas de uma ciência particular suscitam ou intensificam alguns problemas especiais, como, por exemplo, n da ``relatividade", que exigem um tratamento filosófico por não poderem ser discutidos adequadamente pela ciência em questão. Alguns pensadores, como Herbert Spencer, conceberam essencialmente a filosofia como uma síntese dos resultados das ciências, mas hoje em dia os filósofos, em geral, não adotam essa concepção. Sem dúvida, se podemos obter resultados filosóficos através de processos de síntese e generalização a partir das descobertas científicas, isso deveria ser feito. Não obstante, o único modo de sabermos se podemos ou não fazê-lo é tentar, e nesse ponto a filosofia não tem alcançado muito progresso nem se revelado muito proveitosa. As grandes filosofias do passado consistiram parcialmente numa investigação dos conceitos fundamentais do pensamento, em tentativas de estabelecer fatos alegadamente distintos daqueles com os quais lidava a ciência mediante métodos bastante diferentes dos científicos. Elas comumente foram influenciadas, mais do que parece, pelo estado contemporâneo da ciência, mas, sem dúvida, seria muito enganador descrevê-las essencialmente como uma síntese dos resultados da ciência. Mesmo filósofos antimetafísicos, como Hume, estiveram mais voltados para os pressupostos da ciência do que para seus resultados.
Tampouco devemos admitir sem reservas, como uma verdade da filosofa, o resultado ou suposição científica válido em sua própria esfera. Sabemos, por exemplo, que a física contemporânea parece ter mostrado que o tempo da física é inseparável do espaço, o que de modo algum nos autoriza a renunciar esse resultado como um princípio filosófico pelo qual o tempo pressuporia o espaço. Pois, pode ocorrer que o resultado em questão seja verdadeiro apenas com relação ao tempo da física, e isso apenas porque o tempo da física é medido em termos de espaço. Por conseguinte, não precisa ser verdadeiro com relação ao tempo da nossa experiência, do qual o tempo da física é uma abstração ou construção. A ciência pode progredir por meio de ficções metodológicas usando termos num sentido invulgar que a filosofia tem de corrigir. 0 termo filosofia da ciência é usualmente aplicado ao ramo da lógica que lida de maneira especializada com os métodos das diversas ciências.
0 MÉTODO DA FILOSOFIA COMPARADO AO MÉTODO CIENTÍFICO
Com respeito a seus métodos, a filosofia difere fundamentalmente das ciências especiais. A não ser quando se aplica a matemática, todas as ciências utilizam processos de generalização empírica, mas a filosofia reserva a tal método um lugar muito modesto. Por outro lado, a tentativa de assimilar a filosofia à matemática, embora muito freqüente, não tem sido bem-sucedida (exceto em determinados ramos da lógica que, pela própria natureza, têm mais afinidade com a matemática do que com os demais setores da filosofia). Particularmente, parece humanamente impossível que os filósofos possam alcançar a certeza e a clareza que caracterizam a matemática. Essa diferença entre os dois campos de estudo pode ser atribuída a várias causas. Em primeiro lugar, não se tem mostrado possível determinar, em filosofia, o significado dos termos do mesmo modo inequívoco que em matemática. Assim sendo, seu significado pode mudar de forma quase imperceptível ao longo de uma argumentação, sendo muito difícil nos certificarmos de que diferentes filósofos utilizam a mesma palavra com o mesmo sentido. Em segundo lugar, somente na matemática encontramos conceitos simples formando a base de inúmeras inferências complexas e, todavia, rigorosamente válidas. Em terceiro lugar, a matemática pura é hipotética, ou seja, não nos pode dizer o que se passa no mundo real, como, por exemplo, o número de coisas situadas num dado lugar, mas apenas o que ocorrerá se isso for verdade, como, por exemplo, que encontraríamos 12 cadeiras numa sala caso lá houvesse 5 + 7 cadeiras. A filosofia, contudo, objetiva ser categórica, isto é, dizer-nos o que de fato ocorre; conseqüentemente, em filosofia, não é apropriado, como geralmente se faz em matemática, fazer deduções apenas a partir de postulados ou definições.
Desse modo, é impossível encontrar uma analogia adequada entre os métodos da filosofia e os de qualquer outra ciência. É igualmente impossível definir de modo preciso qual é o método da filosofia, a não ser limitando de forma grotesca o seu objeto. A filosofia não emprega um método único, mas uma variedade de métodos que diferem de acordo com o objeto ao qual são aplicados. E a tentativa de defini-los de maneira independente de sua aplicação carece de qualquer propósito útil. De fato, isso é muito perigoso. Ne passado, ela freqüentemente conduziu a uma limitação equivocada do escopo da filosofia, excluindo tudo aquilo que não se sujeitasse ao controle de determinado método escolhido como caracteristicamente filosófico. A filosofia requer grande variedade de métodos, pois deve abranger em sua interpretação todo tipo de experiência humana. Não obstante, ela está longe de ser meramente empírica, pois, tanto quanto possível, tem a tarefa de apresentar uma imagem coerente dessas experiências e a partir delas inferir o que pode ser inferido de uma realidade distinta da experiência humana. No que se refere à teoria do conhecimento, deve a filosofia submeter a uma crítica construtiva todas as modalidades de pensamento; contudo, devemos reservar um lugar nessa visão para qualquer modo de pensar que se nos apresente como autojustificado no que há de melhor em nossas reflexões comuns, e não filosóficas, e não rejeitá-lo por diferir dos outros. Os critérios filosóficos são, em linhas gerais, a coerência e a abrangência; o filósofo deve visar a apresentação de uma visão coerente e sistemática da experiência humana e do mundo, tão esclarecedora quanto o permita a natureza dos casos investigados, mas não deve buscar coerência à custa de rejeitar aquilo que de direito é conhecimento real ou crença justificada. Uma séria objeção a uma filosofia consiste na acusação de que ela sustenta algo em que não podemos acreditar na vida cotidiana. Essa objeção poderia ser feita a uma filosofia que logicamente conduzisse, como algumas, à conclusão de que não há um mundo físico, ou de que todas as nossas crenças, científicas ou éticas, carecem de qualquer justificação.
FILOSOFIA E PSICOLOGIA
Há uma ciência que mantém uma relação bastante peculiar com a filosofia: a psicologia. Na prática, é muito mais provável que as teorias psicológicas particulares venham a exercer influência sobre um argumento filosófico ou, uma teoria a respeito do bem e do mal do que as teorias particulares de uma ciência física também válida a relação inversa: exceto com relação às partes que se aproximam da fisiologia, a psicologia, mais do que qualquer setor particular da física, corre o risco de sofrer as conseqüências adversas oriundas de um equívoco de ordem filosófica. É provável que isso aconteça devido ao fato de que apenas recentemente a psicologia emergiu como ciência especial, ao contrário do que ocorreu com as ciências físicas, que há muito já haviam alcançado posição estável, dispondo de bastante tempo para esclarecer seus conceitos básicos de acordo com seus próprios objetivos. Há uma geração, a psicologia era comumente ensinada por filósofos, sendo muito difícil considerá-la uma ciência natural. Por conseguinte, não teve tempo para completar o processo de esclarecimento de seus conceitos fundamentais, necessário para torná-los, se não filosoficamente inquestionáveis, suficientemente claros e úteis para a prática da ciência em questão. 0 estado contemporâneo da física sugere-nos que, quando uma ciência atinge um estágio mais avançado, tende a se deparar mais uma vez com problemas filosóficos. Poderíamos então afirmar que o período no qual uma ciência é independente da filosofia não coincide com seu florescimento ou com os estágios mais avançados de sua trajetória, mas com a longa fase que separa esses dois extremos. Nesse sentido, a filosofia pode contribuir de algum modo para a pendente reconstrução da física.
CETICISMO
Os filósofos têm-se preocupado muito com uma criatura bastante estranha: o cético absoluto. Não obstante, tal pessoa não existe. Se existisse, refutá-lo seria impossível. Similarmente, ele não nos poderia refutar ou afirmar alguma coisa, nem mesmo seu ceticismo, sem contradizer a si mesmo, pois a afirmação de que nenhuma espécie de conhecimento ou crença pode ser justificada é uma crença. Em contrapartida, também não poderíamos provar que o cético está errado, na medida em que toda prova deve admitir algo, ainda que seja alguma premissa, e também as leis da lógica. Se o princípio da não-contradição não é verdadeiro, não podemos refutar algum mediante o argumento de esse alguém está caindo em contradição. Um filósofo não pode, portanto, partir ex nihilo e provar tudo: ele é forçado a fazer certas suposições. Em particular, tem de admitir a verdade das leis fundamentais da lógica, pois de outro modo não seria possível utilizar argumentos de qualquer espécie ou mesmo formular quaisquer enunciados significativos. Entre essas leis da lógica, assinalamos duas que são muito importantes: trata-se dos princípios da não-contradição e do terceiro excluído. Quando aplicados a proposições, o primeiro afirma que uma proposição não pode ser ao mesmo tempo verdadeira e falsa, enquanto o segundo afirma que toda proposição deve ser verdadeira ou falsa. Quando os aplicamos a coisas, o primeiro afirma que uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo ou ter e não ter uma qualidade ao mesmo tempo, e o segundo, que uma coisa é ou não é e possui ou não uma qualidade. Concordamos em que esses princípios não soam de modo a entusiasmar ninguém, mas o fato é que todo nosso conhecimento e todo nosso pensamento dependem deles. Se a afirmação de algo não excluísse sua própria contradição, nenhum significado poderia ser atribuído a qualquer asserção e ninguém poderia jamais ser contestado, na medida em que tanto a asserção quanto a refutação poderiam ser corretas. Não podemos negar que, em certos casos, pode ser equivocado atribuir ou não a algo uma qualidade. Seria incorreto dizer que certas pessoas são ou não calvas, não só devido à ausência de uma definição precisa do que seja "calvo" mas também porque, na prática, "calvo" e "não-calvo" significam extremos entre os quais reside uma classe intermediária de casos em que não deveríamos aplicar um desses termos, e sim "parcialmente calvo" ou "mais ou menos calvo".
Não se trata, portanto, de uma pessoa possuir ou não uma qualidade definida. Todas as pessoas são dotadas de um grau particular de calvície, embora o uso dos termos "calvo" e "não-calvo" não deixe claro a que graus de calvície desejamos referir-nos. Tenho a impressão de que as objeções ocasionalmente feitas ao princípio do terceiro excluído se escoimam em desentendimentos desse tipo. De modo similar, o princípio da não-contradição é perfeitamente compatível com o fato de um homem ser bom com relação a certo aspecto e mau com relação a outro, ou mesmo com relação ao mesmo aspecto, ser bom num momento e mau em outro.
A filosofia deve também aceitar a evidência da experiência imediata , embora essa atitude não nos leve tão longe quanto poderíamos esperar. Não dispomos normalmente de experiência imediata sobre outros espíritos, a não ser o nosso, sendo provável que a evidência da experiência imediata não possa dizer-nos que os objetos físicos que parecemos experienciar existem independentemente de nós mesmos. Tornaremos oportunamente a abordar essa questão. Logo constatamos que, não obstante, deveremos fazer novas suposições, se quisermos admitir que conhecemos certas coisas a respeito das quais a vida cotidiana não oferece qualquer suporte para que possamos achar que as conhecemos realmente. Todavia, não devemos concluir que a impossibilidade de se justificar uma crença do senso comum mediante um argumento implica necessariamente sua falsidade. Pode ser que, no nível do senso comum, possuamos um conhecimento genuíno ou uma crença justificada que seja por si próprio estabelecido e que dispense uma justificação filosófica. Não cabe ao filósofo, nesse caso, provar a verdade da crença, pois isso pode ser impossível, mas dar-lhe a melhor explicação possível, examinando acuradamente aquilo que ela envolve, Se usarmos a expressão "crença instintiva" para denominar aquele tipo de crença que tomamos como evidentemente verdadeira antes de qualquer crítica filosófica, e que continua a parecer evidentemente verdadeira em nossa vida cotidiana após a crítica filosófica e a despeito dela, podemos afirmar com Bertrand Russell - que não pode certamente ser acusado de credulidade demasiada - que a única razão para rejeitar uma crença instintiva é o fato de ela colidir com outras crenças instintivas, sendo um dos principais objetivos da filosofia produzir um sistema coerente baseado em nossas crenças instintivas, corrigindo-as o menos possível e só para preservar sua coerência. Nesse sentido, já que a teoria do conhecimento só pode basear-se num estudo das coisas reais que conhecemos e da maneira pela qual as conhecemos, podemos afirmar que o fato de uma teoria filosófica em particular levar à conclusão de que não podemos conhecer certas coisas que evidentemente conhecemos, ou que não podemos justificar certas crenças que obviamente são justificadas, é mais uma objeção à teoria filosófica em questão que ao conhecimento ou às crenças que ela questiona. Por outro lado, seria tolice supor que todas as crenças do senso comum devem ser verdadeiras da maneira como se nos apresentam. Talvez seja função da filosofia aperfeiçoá-las, mas não descartá-las, ou alterá-las de modo a torná-las irreconhecíveis.
FILOSOFIA E SABEDORIA PRÁTICA
A filosofia está associada tanto ao saber teórico quanto à sabedoria prática, à qual aludimos através de expressões do tipo "considerar filosoficamente as coisas". De fato, o sucesso da filosofia teórica não nos oferece qualquer garantia de que seremos filósofos no sentido prático ou de que agiremos e sentiremos de modo correto sempre que nos envolvermos em determinadas situações práticas. Uma das doutrinas favoritas de Sócrates é a de que sempre podemos fazer o bem desde que saibamos o que é o bem; não obstante, isso só é verdade se acrescentamos ao significado do termo "saber" uma adequada nitidez emocional daquilo que sabemos do ponto de vista teórico. 0 fato de sabermos (ou acreditarmos) que fazer algo que desejamos iria acarretar muito mais sofrimento a uma outra pessoa - o Sr. A - do que prazer para nós mesmos, sendo, em conseqüência, não-recomendável, não nos impede, todavia, de praticar tal ação, pois a idéia de causar sofrimento ao Sr. A poderia parecer-nos menos repugnante que a de perdermos aquilo que cobiçamos. Na medida em que é inteiramente impossível a qualquer ser humano sentir o sofrimento alheio com a mesma intensidade que os seus, ocorre sempre a possibilidade de sermos tentados a abandonar nossos deveres, fazendo-se necessário não apenas o conhecimento, mas também o exercício da vontade. Nem somos constituídos de modo a ser sempre fácil, quando somos abandonados à nossa própria moral, nos opormos a um forte desejo, ainda que disso dependa nossa própria felicidade. A filosofia não é garantia de nossa conduta correta ou do perfeito ajustamento de nossas emoções às nossas crenças filosóficas. Nem mesmo do ponto de vista cognitivo é ela capaz de nos dizer o que devemos fazer. Para isso, precisamos, além de princípios filosóficos, não só do conhecimento empírico dos fatos relevantes e da capacidade de prever as prováveis conseqüências, mas também de um insight da situação particular, de maneira a podermos aplicar adequadamente nossos princípios.
Obviamente, não é minha intenção afirmar que a filosofia não contribui para vivermos uma vida exemplar, mas apenas que não pode por si só levar-nos a viver de modo exemplar nem decidir o que seja esse tipo de vida. Insisto, entretanto, em que ela pode, a esse respeito, pelo menos proporcionar valiosas sugestões. E teria muito mais a dizer sobre a conexão entre filosofia e vida exemplar, se incluísse neste livro uma discussão especial da ética, disciplina filosófica que trata do bem e da ação correta. Não obstante, devemos fazer uma distinção entre filosofia teórica, enquanto explicação do que é, e ética filosófica, enquanto explicação do bem e da ação correta.
Não pretendo, ao recorrer a essa ilustração, dar a impressão de ser um hedonista, ou uma pessoa convencida de que o prazer e a dor sejam os únicos fatores relevantes para que se possa julgar uma ação boa ou má. Não sou assim.
A metafísica ou a filosofia crítica nos é de pouca valia para decidirmos o que devemos fazer. Pode levar-nos a conclusões que facilitem encararmos as adversidades de maneira mais serena, mas isso depende da filosofa, não havendo infelizmente acordo universal entre os filósofos quanto à possibilidade de uma concepção otimista do mundo ser justificada filosoficamente. No entanto, devemos seguir a verdade aonde quer que ela nos leve, já que nosso espírito, uma vez desperto, não pode apoiar-se no que carece de justificativa, pois o pensamento não pode ser uma falsidade. Ao mesmo tempo, devemos estudar atentamente e não recusar-nos a ouvir as alegações dos que pensam ter alcançado, mediante recursos que não podem ser incluídos nas categorias usuais do senso comum, verdades inspiradoras e reconfortantes a respeito da realidade. Não devemos tomar como certo que as pretensões de uma cognição genuína em matéria de experiência místico-religiosa, com relação a um diferente aspecto da realidade, devam ser necessariamente descartadas coma carentes de justificativa apenas por não se ajustarem a um materialismo sugerido, mas de modo algum provado e, agora, nem mesmo sustentado pela ciência moderna.
Notas
1 Whitehead, A. N., Adventures of Ideas, pg. 125.
2 Nossa crítica à atitude "pragmatista" encontra-se nas pgs. 53-4 e 63-4 adiante.
3 Esse termo tem origem no fato de ter sido discutido na obra de Aristóteles que foi colocada após (meta) seu trabalho sobre a física.

Bibliografia
Whitehead, A. C.: The Function of Reason, Princeton: Princeton University Press.

(texto escaneado por Marco Antonio Frangiotti de Ewing, A. C. (1984):
As Questões Fundamentais da Filosofia, Rio de Janeiro: Zahar, pgs. 11-25)